Skip to main content

Sonhos de revolução no começo do século XIX

Três versões para um mesmo diálogo entre John Thelwall e Samuel Coleridge durante a visita do primeiro a Coleridge e Wordsworth, num momento em que a repressão violenta ao jacobinismo inglês ainda não havia destruído o movimento republicano na Inglaterra, em que a dupla dinâmica do romantismo inglês ainda não havia consequentemente encaretado e os três portanto nutriam ainda uma paixão comum pelo jacobinismo revolucionário:


Versão 1 de The Collected Works of Samuel Coleridge
“Citizen John! This is a fine place to talk treason in!
Nay! Citizen Samuel! it is the place to make a man forget that there is any necessity for treason!”

Irônico ver quem se encagaçou e encaretou fica brincando de ousadinho e acaba sendo surpreendido pelo sujeito que cansou de ter seus discursos interrompidos por turbas de marinheiros de porrete na mão cantando "God Save The King"... 



Versão 2 de Memoirs of William Wordsworth:
Coleridge said, “this is a place to reconcile one to all the jarrings and conflicts of the wide world!” “Nay,” said Thelwall, “to make one forget them together.”

Note como Wordsworth, além de estragar o diálogo espirituoso em que o Jacobino famoso por sua paixão pela revolução surpreende o jovem poeta, trata de apagar as simpatias de Coleridge [e dele próprio] pelo ideal revolucionário.


Versão 3 do romance The Daughter of Adoption de Thelwall:
“What a scene, and what an hour… to hatch treason in”. “What a scene, and what an hour,” replied Edmund, with most undisturbed composure, “to make one forget that treason was ever necessary in the world!”

Aí acima "Citizen Thelwall" se aproveita do famoso diálogo para um romance seu e não resiste a um arroubo na hora de descrever a sua réplica com um “most undisturbed composure”, como se a réplica que espelha o comentário não fosse suficiente em si mesma.  






Essas são delícias que a internet oferece a quem se interessa por elas. Encontrei as três versões graças a uma indicação da amiga de FCBK Denise Bottman de um artigo maravilhosode E. P. Thompson que está livre para baixar na internet. O artigo é um primor no equilíbrio entre história intelectual, história pessoal e produção literária e muito interessante para quem se interessa pelo romantismo inglês. 

E eu estou mais mesmo para apreciar uma casa no campo [ou ler E. P. Thompson] do que ficar tramando heróicas traições revolucionárias. O mundo anda ultimamente podre demais, pelo menos para mim.

Comments

Anonymous said…
Gracias

Popular posts from this blog

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia inst...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...