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Adaptações simplificadas e linchamentos



















Em 1807 os irmãos Charles e Mary Lamb publicaram pela primeira vez a adapção das peças de Shakespeare para crianças. Foram 20 peças, as tragédias adaptadas por Charles e as comédias por Mary. Tales from Shakespeare foi editado diversas vezes e ilustrados por figuras importantes como Arthur Rackham. A adaptação de clássicos para crianças é, como se pode ver, um assunto bastante antigo. Na introdução ao livro os irmãos Lamb explicam um pouco seus critérios:

"his words are used whenever it seemed possible to bring them in; and in whatever has been added to give them the regular form of a connected story, diligent care has been taken to select such words as might least interrupt the effect of the beautiful English tongue in which he wrote: therefore, words introduced into our language since his time have been as far as possible avoided."

No Brasil o trabalho dos irmãos Lamb foi traduzido [e, consequentemente adaptado] por Paulo Mendes Campos para a coleção Clássicos de Ouro.

Eu não conheço os detalhes da proposta para a adaptação de Machado de Assis e não me animo a dar opinião só depois de ler uma reportagem [como de hábito] bem mixuruca sobre o assunto – não me animo nem a fornecer o link para a tal reportagem. Tenho acompanhado por parte de pessoas pelas quais tenho admiração reações às vezes muito fortes à tal proposta dessa máquina de fabricar indignação que pode ser o FCBK.

Acho que essa onda de linchamentos reais [que aliás não é só do Brasil – basta olhar para a Argentina] tem uma incômoda semelhança com essa caça às bruxas online promovida com relação aos mais variados assuntos: pessoas divulgam fotografias e às vezes até dados pessoais acompanhados de todo o tipo de insulto e mesmo ameaças mais ou menos veladas.


Eu, que cresci lendo versões simplificadas de Oliver Twist e Huckleberry Finn (inclusive a tradução da versão simplificada que me veio de Shakespeare pelos irmãos Lamb e Paulo Mendes Campos) aprendi com eles a desconfiar do moralismo agressivo que abastece esses linchamentos.

Comments

Diego said…
Obrigado, Paulo! Tive medo de comentar o furor com que as pessoas estraçalharam a notícia de que alguém tinha simplificado Machado... Medo de ser estraçalhado também. Você foi mais valente que eu.
Pode até ser que a tal adaptação seja mal feita mesmo, mas ficar nessa fúria toda por causa de uma matéria bem superficial de jornal sobre o assunto...
E dá para gente pensar numa fúria equivalente sobre uma adaptação do Machado de Assis para o cinema ou televisão?
Marcio said…
Lá pelos meus 10 ou 11 anos (inicio anos 80), eu lia pequenos livros da Ediouro com traduções simplificadas de livros de Dafoe, Melville, entre outros, feitas por Paulo Mendes Campos ou Cony. Creio que milhares de crianças e jovens leram estes livros. Mais tarde pude ler algumas das obras no original e creio que ninguém se tornou menos capaz em leitura ou encantamento pela literatura por conta de tais obras.
Claro, Marcio. É claro que uma adaptação poder ser mais ou menos bem feita, mas o artigo no jornal era [como de costume] muito superficial para se dizer qualquer coisa.
As reações exaltadas contra uma coisa que a gente nem leu me parecem próximas da mentalidade do linchamento que anda solta na internet.
E digo mais: meu pai tentou me aplicar um Machado de Assis pela primeira vez quando eu tinha 12 anos [parece que ele estava esperando eu chegar aos 12, o homem era louco com Machado]. E simplesmente não deu para mim. Se houvesse uma versão adaptada para pré-adolescentes, quem sabe eu não teria começado a curtir Machado já desde aquela época?

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