A verdade é que no bi-partidarismo toda eleição já é segundo turno e muitas vezes nos toca a votar no que parece o menos pior. Mas mesmo quando os candidatos são extremamente parecidos, eles são diferentes em muitas coisas importantes. E nesse caso nem é preciso ser muito sutil para ver as imensas diferenças entre os dois candidatos.
E também é verdade que costuma ganhar quem consegue animar a gente a descolar o traseiro da poltrona e ir, muitas vezes num dia de semana de trabalho normal, se plantar por horas numa fila imensa para deixar o seu voto. Dependendo do seu patrão, só vota quem pode perder um dia de trabalho.
E também é verdade que ganha a eleição quem mobiliza mais gente para votar nos estados onde o resultado pode ir para um lado ou para o outro. Esses não são necessariamente os estados mais populosos, embora também não sejam, em geral, estados com população muito pequena. Traduzindo para uma situação brasileira, seriam estados como Mato Grosso, Paraná, Espírito Santo, Acre ou Ceará.
A verdade é que no resto do país o sistema que rege é quase um bi-PRIismo que o voto distrital, nos termos em que existe por aqui, reforça. Cada vez que sai o resultado do censo, o partido no poder dentro de um estado re-desenha os distritos e o novo desenho - dividindo votos opositores e/ou concentrando governistas - quase sempre reforça a hegemonia daquele mesmo partido. O último prefeito republicano de New Haven, onde vivo no momento, saiu do poder em 1931 e, desde então, só democratas governaram a cidade.
E é também verdade que a democracia é uma briga de foice no escuro, onde vale quase tudo, inclusive mentir muito, cultivar pânicos e preconceitos e fazer maremotos de marolinhas ridículas. É um jogo sujo que fica ainda mais sujo porque se veste de uma retórica que jura fidelidade a "sonhos", "futuro brilhantes", "ética", "justiça", etc. Todos devidamente desprovidos de aspas. Uma briga de foice de tubarões vestidos de anjinho de procissão.
Mas eu cresci num sistema muito outro. Era muito outro o sistema em que eu cresci, apesar da insistência dos meios de comunicação censurados e/ou auto-censurados em silenciar e em divulgar todas as juras de amor à democracia da parte dos civil-milicos de antanho que se agarravam ao poder com unhas e dentes. Não era uma briga de foice - era um massacre onde só um lado tinha foices e o outro tinha, no máximo, um par de canivetes enferrujados.
Por isso me cansa o discurso de nojo e revolta com a política "democrática". Uso o adjetivo "democrático" entre aspas para enfatizar a consciência importante de que não existe democracia absoluta ou perfeita, mas existem democracias melhores ou piores. As reformas são necessárias e bem vindas, mas mesmo as melhores reformas costumam consertar muitas coisas enquanto pioram outras poucas e criam talvez um par de novos problemas.
Todos aqueles que têm sonhos de pureza e perfeição deveriam apertar os narizes bem forte e lutar, com voto e militância, para conseguir o que der para conseguir, que é sempre muito menos do que o que se precisa mas que é muito melhor que o inferno que está aqui e agora. Por trás dos sonhos de pureza e perfeição estão, muitas vezes, princípios importantes: o desejo de igualdade, a indignação com a injustiça, a vontade de melhorar. É urgentemente preciso ser, nos termos de Paulo Freire, radical sem ser sectário.
E também é verdade que costuma ganhar quem consegue animar a gente a descolar o traseiro da poltrona e ir, muitas vezes num dia de semana de trabalho normal, se plantar por horas numa fila imensa para deixar o seu voto. Dependendo do seu patrão, só vota quem pode perder um dia de trabalho.
E também é verdade que ganha a eleição quem mobiliza mais gente para votar nos estados onde o resultado pode ir para um lado ou para o outro. Esses não são necessariamente os estados mais populosos, embora também não sejam, em geral, estados com população muito pequena. Traduzindo para uma situação brasileira, seriam estados como Mato Grosso, Paraná, Espírito Santo, Acre ou Ceará.
A verdade é que no resto do país o sistema que rege é quase um bi-PRIismo que o voto distrital, nos termos em que existe por aqui, reforça. Cada vez que sai o resultado do censo, o partido no poder dentro de um estado re-desenha os distritos e o novo desenho - dividindo votos opositores e/ou concentrando governistas - quase sempre reforça a hegemonia daquele mesmo partido. O último prefeito republicano de New Haven, onde vivo no momento, saiu do poder em 1931 e, desde então, só democratas governaram a cidade.
E é também verdade que a democracia é uma briga de foice no escuro, onde vale quase tudo, inclusive mentir muito, cultivar pânicos e preconceitos e fazer maremotos de marolinhas ridículas. É um jogo sujo que fica ainda mais sujo porque se veste de uma retórica que jura fidelidade a "sonhos", "futuro brilhantes", "ética", "justiça", etc. Todos devidamente desprovidos de aspas. Uma briga de foice de tubarões vestidos de anjinho de procissão.
Mas eu cresci num sistema muito outro. Era muito outro o sistema em que eu cresci, apesar da insistência dos meios de comunicação censurados e/ou auto-censurados em silenciar e em divulgar todas as juras de amor à democracia da parte dos civil-milicos de antanho que se agarravam ao poder com unhas e dentes. Não era uma briga de foice - era um massacre onde só um lado tinha foices e o outro tinha, no máximo, um par de canivetes enferrujados.
Por isso me cansa o discurso de nojo e revolta com a política "democrática". Uso o adjetivo "democrático" entre aspas para enfatizar a consciência importante de que não existe democracia absoluta ou perfeita, mas existem democracias melhores ou piores. As reformas são necessárias e bem vindas, mas mesmo as melhores reformas costumam consertar muitas coisas enquanto pioram outras poucas e criam talvez um par de novos problemas.
Todos aqueles que têm sonhos de pureza e perfeição deveriam apertar os narizes bem forte e lutar, com voto e militância, para conseguir o que der para conseguir, que é sempre muito menos do que o que se precisa mas que é muito melhor que o inferno que está aqui e agora. Por trás dos sonhos de pureza e perfeição estão, muitas vezes, princípios importantes: o desejo de igualdade, a indignação com a injustiça, a vontade de melhorar. É urgentemente preciso ser, nos termos de Paulo Freire, radical sem ser sectário.
Comments
Há que se ter muito cuidado mesmo. Esse nosso nojo e revolta com a "democracia" que nunca é democracia às vezes pode nos levar a buracos difíceis de sair. Ainda que tenhamos as melhores das intenções.
Lembro de ver muita gente nas internetes da vida vociferando dia e noite contra tudo aquilo que o Partidão deveria fazer e não fazia, indignados com todas as lambanças e já sem capacidade de perceber os poucos ganhos. Tudo bem, era justo. Mas agora estamos aí com o nosso Trump. Resta saber se vocês também terão um para chamar de seu.
Difícil a situação aqui, André. Hoje escutava no rádio o biógrafo do "inventor" do canal Fox News, Roger Ailes, que acaba de cair, pouco antes da aposentadoria oficial, por causa de escândalos de assédio sexual. O cara dizia que a coisa parecia um romance porque a política populista de direita que "desabrochou" em Trump foi, em grande medida, arquitetada ali no canal de notícias do Murdoch e logo na hora da consagração daquele tipo de política com a confirmação da tomada do partido republicano, o Ailes caía em desgraça e era substituído. A linha de Ailes é a linha da Veja, sem tirar nem pôr. A sorte é que realmente o Bernie Sanders é um político muito experiente e habilidoso e preferiu ganhar o máximo possível em negociações com o Partido Democrata e abraçar Hillary. Já no Brasil... os "isentões" e suas lindas "jornadas de 2013" ficam sentadinhos no trono da pureza e deixam o barco afundar... E há quem ainda ache que não há diferença entre Dilma e Temer! O sonho de todo sectário é ser mártir, pelo menos mártir no conforto do seu escritório na frente de um computador.