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Trecho






























Imagem retirada de http://homepages.wmich.edu/~p3morefi/heart.html, com a legenda:
"This is the human heart.
This is the organ that keeps blood running throughout your body.
You must have one of these."


Trecho de romance que ando escrevendo nas parcas horas vagas:

Montezuma, Minas Gerais, existe. Está no mapa, pode procurar. Fica no norte do estado, perto da Bahia. Parece que ninguém sabe disso, nem em Belo Horizonte, que é um lugar que também existe, ainda que aqui fora, onde eu vivo, há quem duvide. Meu projeto pessoal, minha contribuição social, estadual, nacional, universal enfim, é convencer primeiro Belo Horizonte, depois o Brasil (metonímia de Rio de Janeiro e São Paulo, pelo menos para quem vive em São Paulo ou Rio de Janeiro) e finalmente o mundo inteiro, que Montezuma existe.
Mas, você deve se perguntar, por que? Aqui nunca nasceu alguém importante, nunca houve ouro nem diamante, nenhuma grande batalha, nenhum bandido famoso, nenhum desastre terrível, nenhuma igreja barroca, nenhum metal radioativo, nada. Se eu dissesse que temos termas e fontes de água mineral, eu sei o que você pensaria: “viajar 600 kilômetros prá tomar banho de cachoeira?”
Nada disso. O que temos é um modo de vida, de paz e harmonia.
Aqui, uma vez por ano, escolhemos a dedo um jovem saudável e belo para o Auto das Flores, que alguns chamam de aniquilamento seletivo e outros, de execução extra-judicial. É sempre alguém da mesma família, os Moreiras, porque os Moreiras são muitos e não fazem a menor falta nos outros 364 dias do ano.
O coração humano, como o conhecemos, é uma carne fibrosa mas doce. Não recomendaria um assado porque a carne fica dura e não entranha bem o tempero, por mais forte que seja. Por melhor que seja a aparência do orgão quando extraído de um corpo vivo anda pulsante (por um breve instante de jorro e gozo, mais vivo que o corpo de que o separamos) não se engane: inteiro o tempero não entranha direito. Certamente o coração em seus últimos extertores é muito mais bonito que o miserável cérebro humano (essa carne amarga, babosa, arenosa, que apenas moemos e damos aos porcos; mas não se esqueça: o mineiro dá o milho, o porco come o milho e o mineiro come o porco), mas não se engane: assado, a carne cordial fica dura. De volta ao que interessa, o coração limpa-se com faca de ponta; corta-se em filetes bem finos; refoga-se com alho, cebola, sal e um par de folhas de louro; acrescenta-se um bom molho de orapronobis; depois duas xícaras de água morna e então pelo menos trinta minutos na panela de pressão.
E depois a paz.

Comments

A Ti leu e disse: esse troço devia se chamar "plato, precipicio, paz". Coisa de pintor...
Anonymous said…
This comment has been removed by the author.
Anonymous said…
Montezuma, o coração arrancado de um homem quando ainda vivo e orapronóbis. Suas raízes mineiras e suas razões acadêmicas, né?
Gostei da comparação coração x cérebro. Apesar dos sacrifícios sanguinolentos e tal, simpatizei bastante com os astecas quando estudei. Lindo aquilo de manter a ordem cósmica e a vida terrestre dando um coração pulsante como sacrifício ao sol.
A gente devia sempre escrever sobre o que conhece ou conhecer bem as coisas antes de escrever sobre elas. Mas o municipio de Montezuma existe!
Anonymous said…
Comi orapronobis em Milho Verde, há algum tempo atrás, que é norte de Minas tb. Tem gosto de quiabo com taioba, né? Realmente nunca ouvi falar nessa Montezuma. Estive numa outra cidadezinha esse fim de semana que passou, chamada Caputira, no leste do estado. Perguntei o porquê do nome ao amigo que me recebeu. Ele explicou que é tupi-guarani e quer dizer Campo Florido. Mas não vi uma flor sequer na cidade inteira. Em Milho Verde também não tinha milho.
Perto de Belo Horizonte, entre Sabará e Caeté, Pompéu ostenta o título de “cidade da orapronobis”…

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