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Alvoroço em Pindorama: a dança do defunto

[foto: dois acadêmicos brasileiros mascarados à beira de um confronto mortal sobre o defunto polêmico]

Wilson Martins morreu. Um punhado de textos elogiosos sobre ele saíram em vários jornais. Flora Süssekind leu os tais textos e mandou bala em um artigo que, para os atuais parâmetros raquíticos do jornalismo brasileiro, é longo e pesado e contém pontos de vista bastante interessantes. Transcrevo aqui um trecho:


"O que parece, no entanto, nostálgico, reativo, talvez não aponte exclusivamente para um período anterior à formação da crítica moderna no Brasil, mas para uma reprodução esvaziada de sentido, e desligada de vínculos efetivos com a experiência histórica, de comportamentos, práticas de escrita e certo culto à autodivulgação e à vida literária que parecem se expandir (em prêmios, concursos, revistas, blogs, antologias, bolsas de criação) em movimento inverso ao da restrição que se opera no campo da produção e da compreensão da literatura, ao da quase total desimportância de livros e mais livros que se acumulam sem maior potencial de instabilização, sem provocar qualquer desconforto, sem fazer pensar. Uma restrição que talvez indique uma incapacidade não só da crítica, mas do campo literário, de modo geral, de reinventar a sua sociabilidade, de produzir condições outras para a própria prática.

Lembro, nesse sentido, a resposta de Jacques Rancière quando indagado, em entrevista recente, a respeito de uma série de escritores contemporâneos. Sem desqualificá-los, comentaria, no entanto, distinguindo a atual da ficção de até meados do século XX: 'Penso simplesmente que a literatura não inventa hoje categorias de decifração da experiência comum'. E concluindo numa espécie desdramatizada de beco sem saída: 'As formas de narratividade, de expressividade, de inteligibilidade que ela inventou foram apropriadas por outros discursos ou outras artes, ou banalizadas pelas formas de comunicação'."


Comments

sabina said…
engraçado: seu link leva à réplica de sérgio rodrigues, não ao texto de f. sussekind.

assim, li primeiro a reclamação.

não tenho familiaridade com críticos para avaliar com pertinência, mas me parece que sussekind está certa quando fala da desimportância social do conjunto todo.

além disso, se entendi corretamente, ela não considera isso um mal, mas uma oportunidade, um espaço livre.

o homem ficou ofendido ao ser chamado de conservador, e em sua respostas confirmou exatamente isso.
Eu e minhas trapalhadas na internet. Se o link levou ao blogue do Prosa e Verso da Globo, então o texto da Flora deve ter ficado mais embaixo.
Acho que ela tbm toca em dois outros pontos importantes:
1. Esses caras que ficam escrevendo coluna de jornal imitanto [mal] Paulo Francis e Wilson Martins são uns diletantes e estão completamente perdidos num passadismo fuleiro que não leva a lugar nenhum. Isso não é crítica literária que valha o preço do jornal, muito menos de um livro.
2. Muitos escritores hoje estão muito ligados [obcecados às vezes] em fazer marketing, em acontecer, em se promover, se vender e não percebem que os leitores só podem dar alguma importância à literatura quando ela tem alguma coisa a dizer. Se tudo o que vc tem a dizer é: eu quero escrever umas coisas divertidas para vc ler no aeroporto, ou para eu ganhar uma bolsa de viagem, não espere um público literário. E o público da literatura de massa no Brasil parece que está se construindo agora, mas esse é um outro jogo, onde não é sem razão que dominam as traduções. Vc cai em pessoas super-comerciais como a Nora Roberts, que domina um mercado de milhões de leitores nos Estados Unidos. Agora ela faz o dela bem feito, MUITO bem feito. E é pra vender mesmo, tipo filme grande de Hollywood.
sabina said…
ontem saiu uma matéria interessante na Folha, sobre a Sextante e a Intrínseca, editoras especializadas em best-sellers. realmente, é outra questão. é um mercado tão concentrado como o de cinema, e responde mais ou menos aos mesmos esquemas (importação, investimento em títulos que já tem mídia antes da publicação, etc)

2 - f.s. menciona algo sobre escritores cujo único discurso é o valor da prática literária por ela mesma. acho isso interessante (o vazio disso)

se a "literatura por ela mesma" já é um valor discutível, então a "prática da literatura" é ainda pior. talvez como terapia ocupacional, mas não para mostrar aos outros.

3 - tocar as pessoas é um ideal vago que escapa a cálculos. eu fiz um livro que emocionou alguns amigos e especialmente uma colega minha, professora. então... "toquei" alguém. isso é suficiente para recompensar muitos meses de trabalho?

hoje, pra mim, depois de muita terapia, considero que sim. consegui me esvaziar uns 80% das angustias de estar restrita a um nicho minúsculo.

fiz esse esforço porque tenho horror a amargura e ressentimento.

mas a literatura é refém de um mecanismo cruel do nosso mundo hoje: a divulgação da idéia de que "todo mundo pode", e a realidade oposta, que logo se percebe, de extrema concentração dos meios de produção e divulgação.
Pois é, Sabina, essa conversa e longa e cheia de nuances interessantes. Eu acho importante achar um ponto de equilíbrio em que a gente não fica dando respostas dogmáticas e simplistas para as coisas mas também não ficar matando a conversa com um "cada um sabe o que quer" ou depende do ponto de vista.
Tem uma coisa no tom do texto da f.s. que me incomoda e consegui entender melhor meu incomodo depois de conversar sobre colegas sobre o assunto. Esse pessimismo exagerado sobre o mundo de hoje em todos os campos e particularmente na cultura. Quando vc mergulha nos jornais e em tudo o que foi publicado, por exemplo, em 1956, percebe que no meio daquelas jóias que a gente hoje aprecia tanto tinha uma tonelada de literatura "séria" que era uma porcaria. É como essa história de dizer que o cinema argentino atual é melhor que o brasileiro. No Brasil a gente só tem acesso ao melhor que se fez por lá, uma meia dúzia de filmes no máximo. Todos os xuxas e porcarias do cinema argentino ficam só por lá mesmo.

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