Piedade do Paraopeba, 2005 [a data na foto está errada] |
Pátria minha
Vinícius de Moraes
A minha pátria é como se não fosse,
é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma
criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.
Se me perguntarem o que é a minha
pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha
pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz,
o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha
mágoa
Em longas lágrimas amargas.
Vontade de beijar os olhos de minha
pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão
pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do
vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria
sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!
Porque te amo tanto, pátria minha,
eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do
vento
Eu que não vou e não venho, eu que
permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu
elemento
De ligação entre a ação e o
pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo
adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te no entanto em mim como um
gemido
De flor; tenho-te como um amor
morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma
fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que
não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha, lembra-me uma
noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e
nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro
escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no
campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do
Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...
Fonte de mel, bicho triste, pátria
minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!
Quero rever-te, pátria minha, e
para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres,
horizontes
Fiquei simples, sem fontes.
Pátria minha... A minha pátria não
é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é
desolação
De caminhos, a minha pátria é terra
sedenta
E praia branca; a minha pátria é o
grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha
pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame
escrito:
"Liberta que serás
também"
E repito!
Ponho no vento o ouvido e escuto a
brisa
Que brinca em teus cabelos e te
alisa
Pátria minha, e perfuma o teu
chão...
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria
minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.
Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é
patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.
Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do
dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de
quem te ama…
Vinicius de Moraes."
in Antologia Poética
in Pátria minha
in Poesia completa e prosa: "Nossa Senhora de Los Angeles”
A obra do Vinícius, em suas várias facetas, está disponível no site http://www.viniciusdemoraes.com.br/site/, que vale a pena conhecer. Coloco o poema acima no meu blogue por três motivos: para comemorar a visita do professor Roniere Menezes aqui em Yale, para que fique claro que Vinícius era também um grande poeta e finalmente porque esse poema expressa de alguma maneira a minha maneira de amar o Brasil à distância.
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