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Telegrama de Mictlan

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Desenho meu: "Quem ama nomeia quem ama não mata quem nomeia mata"
Desta vez prometo não me esconder atrás de mim mesmo. Deixa vez prometo deixar no papel nada que não seja meu sangue e nada mais.
Quando a onda vem e eu perco o pé, não me desespero. Eu solto meu corpo e sinto o silêncio vibrar no meu corpo a paz do esquecimento. Um vento mais denso de água e sal balança meu corpo feito um saco plástico vazio de mim. Imagino meu esqueleto solto dançando por dentro em ondas de sangue ainda mais denso. A próxima onda chega e me puxa ainda mais longe. Respirar me custa, me cansa subir. Devagar aos poucos tomo ar e volto. Não me sinto preso. Não estou me afogando ainda agora. Não estou vencido ainda que passe agora por mim o salva-vidas que vem atender alguém mais próximo da praia que eu. Não peço ajuda. Não é por orgulho. Estou à deriva por bem mais de meia hora. O salva-vidas me vê e me oferece levar-me de volta à praia. Não quero dizer que sim, quero me calar, por meio instante vacilo em aceitar. Meio instante, não mais. Não mais que meio instante. O salva-vidas me puxa e saio andando sozinho da água na altura da barriga. Me sento no sol mudo do mormaço na areia branca na praia do Rio da minha infância.
Sabem quantas vezes? Pelo menos sete. E a cada volta o corpo mais mole: pele, carne, osso um pouco mais frouxos, um monte de pedras quando desmorona fica mais difícil, se remonta frouxamente e cai outra vez, mais desconjuntado. O meio instante em que eu vacilo um pouco mais longo, a saudade da leveza, de estar vazio, da paz, do silêncio, do esquecimento do mundo e si mesmo, um pouco maior também. Uma progressão lenta, gradual. Acréscimos ínfimos no meio instante, uma paciente erosão por dentro.
Mas sempre o medo. Medo de morrer. Um pouco menos de medo. Sempre o prazer de estar na praia no sol na areia. Estar vivo vale. Antes da tormenta, penso, vale tanta pena. Sim, por que só conto a melhor parte do teorema. Ia deixar sangue, prometi, eu sei, e não foi por zelo que parti do meio desse teorema. É por que ali está o maior extremo, depois da tensão que rompe a corda que me prende a mim mesmo. E se a tensão dói cada vez mais ou se simplesmente uma corda cada vez mais fraca, eu não sei dizer.

Comments

Anonymous said…
Morrer deve ser impressionante.
(tata)
Demais, Tata. A gente às vezes quase vai mas acaba que fica. Que canseira que dá depois!

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