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Showing posts from January, 2015

Recomendação: "O método desviante" de Jeanne Marie Gagnebin

Momentos partiularmente significativos para mim no texto "O método desviante" de Jeanne Marie Gagnebin: 1. Não esquecer que o tempo é múltiplo: não é somente “chronos” (uma concepção linear que induz falsamente a uma aparência de causalidade) , mas é também “aiôn” (esse tempo ligado ao eterno, que, confesso, ainda não consegui entender…) e, sobretudo, “kairos”, tempo oportuno, da ocasião que se pega ou se deixa, do não previsto e do decisivo. 2. paciência e lentidão são virtudes do pensar e, igualmente, táticas modestas, mas efetivas, de resistência à pressa produtivista do sistema capitalista- mercantil- concorrencial 3. não querer ser “atual”, estar na moda, up to date, mas assumir o anacronismo produtivo, uma não-conformidade ao tempo (Unzeitgemässheit, dizia Nietzsche), não correr atrás das novidades (mercadorias intelectuais ou não), mas perceber o surgimento do devir no passado antigo ou no presente balbuciante, hesitante, ainda indefinido e indefiníve...

Sobre brigas que não são brigas

Uma entre várias coisas interessantes que li na entrevista de Jeanne Marie Gagnebin ao Suplemento Literário do Diário Oficial de Pernambuco : Costumo falar para meus alunos que na discussão/briga entre Adorno e Benjamin sobre a perda da “aura” e a função utópica ou alienante do cinema, ambos podem nos ajudar: Adorno para entender o que é a “indústria cultural” que reina soberana na nossa sociedade; e Benjamin para entender as tentativas de práticas culturais e artísticas contemporâneas que se caracterizam muito mais pela “experimentação” do que pela criação de uma “obra” acabada e singular. Penso notadamente em todas as práticas como instalações, performances, atividades teatrais ou circenses ou cinematográficas lúdicas e efêmeras. A partir notadamente de suas reflexões sobre o teatro “épico’ de Brecht, mas também sobre o teatro de crianças proletárias (que ele conheceu a partir de sua amiga Asja Lacis), Benjamin tentou pensar mais em termos de “ordenação experimental” ( ...

Auto-arqueologia: os anos de Belo Horizonte com Samuel

Há dez anos éramos três e vivíamos nessa rua ainda meio calçada de pedra no bairro da Serra em Belo Horizonte. Letícia Galizzi já era pintora e fazia coisas espantosas como essa série para pendurar num pau feito um varal de quadros. Alguns desses quadros ficam parede do nosso quarto no apartamento que a gente ainda tem na mesma rua, atualmente acumulando poeira. Há dez anos estávamos bastante perdidos ainda. Mas tínhamos um menininho que nos desafiava a fazer melhor, a sermos um pouquinho melhores. Esse menininho de 3 anos hoje é um rapaz de 13. A gente vivia deitando na rede, a gente era, às vezes, bem feliz. Recuperar discos velhos tem dessas nostalgias.

Borges em Harvard

As aulas que Borges deu em Harvard em 1967/1968 estão gravadas e agora disponíveis online . É interessante escutar o velhinho malandro mor da literatura argentina fingindo-se de peixe morto e, aos poucos, destilando o seu famoso veneno porteño sobre os "astrônomos que nunca olharam para as estrelas"entre afagos e mais afagos aos seus ouvintes de língua inglesa. Aqui entre nós a primeira conferência - devidamente disfarçada pela modéstia de quem não quer dizer nada para definir a poesia - é uma aula bem pedante de erudição. Ainda mais se nos lembramos de que todas as citações estão sendo feitas de memória, já que o conferencista era cego. Mas é divertido ver Borges discretamente contrabandeando Macedonio Fernández bem no meio de um luxuoso banquete das musas que vão de Keats até os gregos clássicos ou dizendo que o autor do Don Quixote queria tirar sarro da Mancha e acabou eternizando-a como grande berço literário. E o inglês de "Georgie"?

Um esporte curioso

Um esporte curioso, seja nas redes sociais da internet, seja nos jornais ou outras mídias tradicionais, é o de dar palpite sobre eventos internacionais acontecendo em contextos sobre os quais sabe-se quase nada. Ao invés de procurar alguém que saiba português mas também conheça a Grécia, um bando de "formadores" de opinião [ou aspirantes amadores ao cargo] começam a propor teses [sempre relacionadas com o umbigo brasileiro] e até mesmo a bater boca sobre o assunto. O sujeito lê umas 20 páginas de jornais sobre o assunto e já começa a articular uma opinião cheia de certezas sobre o assunto, inclusive tomando partido e "torcendo" pela vitória de fulano ou sicrano numa eleição qualquer do outro lado do mundo. Assim desfilam especialistas instantâneos em Venezuela que não sabem muito mais do dar nome a Caracas; especialistas em políticas sociais francesas; em movimentos islâmicos e religião muçulmana; em relações religiosas no Iraque; em agricultura no Afeganistão; em...

Viva la mídia loca: sobre o caso Heidegger [de novo]

O anti-semitismo de Heidegger e o seu comportamento durante os anos de nazismo no poder já tinham sido objeto de debates e controvérsias antes, mas parece que a publicação dos tais "Cadernos Negros" na Alemanha vão trazer uma nova força a uma discussão que parecia, para muitas pessoas, ter-se esgotado  [ aqui uma nota sobre o assunto ]. O filósofo Gunther Figal, diretor do departamento de filosofia da universidade de Freiburg e diretor da "Sociedade Martin Heidegger" desde 2003 acaba de pedir demissão do cargo com termos bastante contundentes: “As chairman of a society, which is named after a person, one is in certain way a representative of that person. After reading the Schwarze Hefte , especially the antisemitic passages, I do not wish to be such a representative any longer. These statements have not only shocked me, but have turned me around to such an extent that it has become difficult to be a co-representative of this.” Meu convívio próximo na u...

A desmesura de Alejandro González Iñárritu em três curtas

Um que fala sobre a vontade de impactar que o cinema carrega: Um trabalho que criou bastante controvérsia sobre o 11 de setembro de 2001: Um trabalho comercial [mesmo no sentido de propaganda] sobre futebol:

Poesia minha

Era uma vez Buster Keaton Buster Keaton once said that making funny pictures is like assembling a watch; you have to be sober or it won’t tick. Era uma vez Buster Keaton (que era muito meu amigo) sentou na mesa comigo, encheu o copo e me disse: “filme pra fazer chorar não sei, não vou opinar; agora filme para rir a gente monta assim, como se fosse relógio, no prumo exato mais sóbrio; senão fica peça solta, e aí o trem não bate.” Eu, que era chato um tanto, retruquei de bate pronto: “Então tá então: e fulano? Faz o quê da vida então?” Meu amigo Buster Keaton! Toma um golo na cerveja, desce o copo cataplaque na fórmica da mesa e nem trisca na resposta: “Fulano!? Fulano… ó: o que eu sei que o Fulano faz, além de falar o caray, o que Fulano mais faz mesmo é sombra.”

De um vasto campo minado onde todos são seus inimigos ao bairro em que só os mortos saem para passear

O bairro da fama cheio de famosos passeando Bolaño escreve um conto ["Encuentro con Enrique Lihn"] em que ele mesmo, expressamente sob o choque de ter ganho seu primeiro grande prêmio literário em 1999, sonha com o poeta chileno Enrique Lihn. Mais ou final no final do conto o mentor/defunto vira-se para o antigo pupilo e diz  "aunque no te lo creas, Bolaño, presta atención, en este barrio sólo los muertos salen a pasear." No começo do conto ele relata melancólico sua vida antes da fama quando trocava cartas com Lihn:  Antes de zumbi, tem que passear aqui "sus cartas en cierta forma me habían ayudado, estoy hablando del año 1981 o 1982, cuando vivía encerrado en una casa de Gerona casi sin nada de dinero ni perspectivas de tenerlo, y la literatura era un vasto campo minado en donde todos eran mis enemigos, salvo algunos clásicos (y no todos), y yo cada día tenía que pasear por ese campo minado, apoyándome únicamente en los poemas de Archilocus Ar...

Aventuras de um turista manco e míope em Vancouver

Essa árvore saudável   parecendo  um paciente  de UTI  me encarou com seu  uni-olho e  perguntou,  "tem base?"  As pedras da cidade falam Já fui um turista eficiente e contumaz. Coletava com antecedência informações sobre o lugar que ia visitar, fazia listas de lugares que tinha que visitar e usava mapas para distribuir atividades entre os dias que disponia. Chegando ao destino, tentava usar todo o tempo disponível para conhecer/experimentar coisas do lugar, desde de manhã até a noite, quando planejava os últimos detalhes do dia seguinte. Fazia notas, tirava fotos, guardava papéis de cada lugar visitado. Trombo de quando em quando com abstrações involuntárias com as quais me apaixono. E fantasmas nem tão velhos vem me assombrar. Tudo isso acabou. Não tenho mais ânimo nenhum de ser o turista eficiente e contumaz que um dia fui. Acho bobagem passar um dia inteiro rodando um museu gigantesco até “conhecê-lo”, mesmo estando en...

Sobre o passado

Chael Charles Schreier é o número 87 [na ordem cronológica] da lista de 434 mortos e desaparecidos políticos no Brasil entre 1946 e 1988. É fácil conhecer a sua biografia. Ele nasceu em 1946 e morreu em 1969.   Bem mais difícil é conhecer a biografia das cinco pessoas que mataram torturando barbaramente Chael Charles Schreier, história bem conhecida. Na mesma seção estavam Antonio Roberto Espinoza e Maria Auxiliadora Lara Barcellos, que cometeu suicídio na Alemanha em 1973 aos 31 anos.  Muita gente estava lá, mais de dez, mais eram cinco militares oficialmente envolvidos:  João Luiz de Souza Fernandes e Celso Lauria, capitães do CIE.  Ailton Joaquim, tenente e Paulo Roberto de Andrade e Atilio Rossoni, sargentos na 1ª Companhia da PE. •Ailton Joaquim recebeu a Medalha do Pacificador em 1970 e morreu em 2007 aos 65 anos.   Em 71 já tinha sido promovido a capitão, me informa o Diário Oficial daquele ano.  Aos 27 anos, de microfone e retro...

Ruínas em New Haven

Eu mesmo dou minhas fotografadas em fábricas abandonadas aqui em New Haven.  Eis aí três fotos que tirei perto aqui de casa.  Acompanho com um poema meu: Stultifera Navis eu sei o preço de ficar aqui e sei o preço de ir embora mas hoje meus bolsos estão vazios eu tenho os dois pés descalços plantados firmes nesse chão entre a colheita vazia do não-mais e o semeio do ainda-não e tenho que gestar nessa ausência algo que se possa chamar presença montar um novo outro-que-não-é do gelo podre desse o-que-é eu sei o preço de ficar aqui e sei o preço de ir embora mas só tenho dois bolsos descosidos