Skip to main content

Popularidade e Qualidade I

Tudo o que presta não tem popularidade; o que mobiliza corações e mentes das massas urbanas ou suburbanas empobrecidas ou remediadas é necessariamente uma porcaria. Paulo Coelho faz sucesso porque é ruim, mal escrito, superficial. Lavoura Arcaica não vende nem um centésimo porque é bom. Essa é uma equação elitista furada que não é furada porque é elitista; é furada porque qualidade e popularidade não estão relacionadas dessa maneira. Umberto Eco explica isso com muito mais clareza quando fala de pessoas que querem estar sempre contra a moda e terminam tão dirigidas pela moda quando os outros que a seguem fielmente. Popularidade e qualidade não estão relacionadas de maneira alguma e essa equação é mais uma das várias maneiras de escamotear a questão da qualidade, dar-lhe um parâmetro de julgamento muito mais fácil, já que aferir a popularidade de um programa de TV, livro, revista ou blogue é coisa simples de se fazer. Podemos debater dias e dias sobre quem é melhor poeta, Drummond ou Cabral, mas para saber qual dos dois é o mais popular basta consultar os números das respectivas editoras. Tão ridículo quando o imbecil que diz que sua novela não pode ser tão ruim quanto dizem os críticos já que milhões de pessoas se sentam em seus sofás noite após noite, é o sujeito que acha que sua peça de teatro é uma maravilha porque quase ninguém vai vê-la e quem vai, sai no meio do espetáculo. Aliás a prova cabal da falsidade da equação que propõe qualidade e popularidade como valores inversamente proporcionais está no fato de muita coisa não vende nada, não tem a menor popularidade e é muito ruim.
Resta então entender: porque diabos coisas ruins como os romances de Paulo Coelho e as novelas de televisão são tão populares?
Aguardem o próximo capítulo...

Comments

Unknown said…
Coloque uma pitada de conteúdo artístico e as coisas fluirão mais claramente.
Hoje em dia todos escrevem porque não há necessidade de atender ao critério artístco para tanto. Para esclarecer os pontos cegos de nossa existência. E esse fator limitante restringia aqueles que queriam ser 'artistas', só os que atendiam algo desse critério eram lidos com atenção e interesse.
Hoje se escreve sobre sentimentos. Ora todos temos sentimentos portanto, todos somos escritores.
Ficou estremamente fácil ser artista. Vamos ser também?
Abraços.
Djabal, não sei se entendi exatamente o que vc quis dizer, mas para mim está aí um outro ponto cego como o que comentei no post. Escrever sobre sentimentos não é tão fácil quanto parece, afinal não basta simplesmente ter sentimentos - é preciso saber como escrever. Aliás eu acho que dá para escrever até sobre sentimentos que a gente não tem, mas é preciso saber como fazer e o buraco da escrita é muito, mas muito mais embaixo do que muita gente pensa. É muito difícil, toma tempo, energia intelectual e emocional, concentração, amor pelo ofício e muita leitura.
Abs.

Popular posts from this blog

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p...