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A Roberto Bolaño

Perdi um país
e ganhei um sonho
e perdi meu sonho
antes que ele me comesse por dentro
e fui embora para nunca mais
e deixei para trás o fantasma estéril
da violência que não leva nem traz
da ignorância dura, orgulhosa,
que despreza tudo o que eu amo,
das bombas que caíam do céu
assoviando meu nome.

No sonho que eu perdi alguém aparecia
do escuro e me atacava
com a violência objetiva e fria dos profissionais;
quando no chão ouvi perguntarem
como ele se chamava
ele parou e me disse o meu nome;
quando me levantei e olhei para ele
vi o meu rosto,
"um menino triste,
que a noite acariciava".

Perdi um país
e ganhei um sonho
e perdi meu sonho
e vim parar aqui,
onde só se vê com a ponta dos dedos,
onde a morte e o sono copulam impunes,
onde o ar entra queimando os pulmões
onde as bombas e as estrelas caíram do céu.

Comments

estou lendo um livro que usa o borges como personagem; é um escritor novo aqui de sp, julián fuks.

ele criou situações baseadas em poemas do borges, e os mesmos poemas aparecem citados no meio do conto.

algo nesses poemas lembra o que você escreve.
Vou procurar conhecer, embora tenha na minha fila de leituras de prosa brasileira contemporanea um romance de uma escritora paranaense...
O Bolano leu Borges inteiro de tras para frente; quem sabe nao foi por ai. O critico uruguaio Emir Rodriguez Monegal usava um termo que eu gosto muito: "correntes subterraneas" que nos levam a escrever coisas parecidas de lugares e momentos diferentes sem necessariamente se conhecer.
: A Letreira said…
Paulo, obrigada pela visita no Letreira. O voz da poesia foi ótimo e haverá outros. Não perca. Abs, Sônia.

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