Skip to main content

Prosa minha: Certificado de Impunidade®


Certificado de Impunidade®


“Nós não medimos nem pesamos esforços no sentido de promover um ambiente o mais propício possível ao desenvolvimento aqui do nosso município. É justamente com esse intuito que temos lançado uma série de políticas públicas e medidas administrativas para simplificar, agilizar, otimizar e desburocratizar os nossos processos, sempre priorizando a eficiência e a transparência em um ambiente propício ao fomento dos mais diversos empreendimentos, buscando uma máxima diversificação dentro das nossas potencialidades e das nossas vocações naturais. E agora, embuídos desse espírito, estamos aqui hoje para anunciar que a administração municipal do prefeito Lair Lara e da vice-prefeita Santuza Vasconcelos mais uma vez sai na frente e tem o orgulho de ser a pioneira na aplicação de uma idéia que, com toda a certeza, logo se espalhará por todo o país: o Certificado de Impunidade®.
Como quase todas as grandes idéias que vêm para mudar, o nosso Certificado de Impunidade® surgiu de uma constatação muito simples: ano após ano fortunas dos nossos cofres públicos são gastas inutilmente empregando recursos valiosos e pessoal qualificado na tentativa de investigar, levar a tribunal, julgar e condenar certos indivíduos, sempre sem qualquer sombra de sucesso. Mobilizamos um verdadeiro exército de policiais, investigadores, promotores, juízes, programas de proteção a testemunhas, celas especiais para pessoas com diplomas do terceiro grau e uma imensa estrutura burocrática que drena os recursos públicos sem qualquer retorno, financeiro ou social. Esses são recursos que poderiam ser utilizados no fomento ao desenvolvimento e no cumprimento das prerrogativas básicas do estado. Casos e mais casos notórios sempre terminam sem qualquer resultado prático: no máximo um punhado de reputações levemente arranhadas, coisa que o tempo trata logo de apagar e nossa máquina com uma sensação crescente de impotência e um rombo cada vez maior nas contas públicas.
Com o nosso Certificado de Impunidade® todo esse processo dispendioso e desgastante acaba e, melhor ainda, ganhamos uma nova fonte de arrecadação de recursos com a venda desse produto no mercado de ações, lojas de conveniência, shopping centers e internet. Depois de um processo simples, rápido e seguro, obedecendo a critérios estritamente técnicos, qualquer um pode, sem maiores aborrecimentos, receber seu Certificado de Impunidade® em casa pelo correio. Assim os casos de corrupção ativa e passiva, trabalho escravo e semi-escravo, pistolagem, grilagem de terras, estelionato, fraude, desvio de recursos e tantos outros que sempre existiram, existem e existirão no nosso lindo paraíso tropical abençoado por Deus e bonito por natureza poderão estar à vista de todos sem exclusões, executados com máxima transparência e custo mínimo. Livres dos entraves burocráticos que atrasam e às vezes até paralisam o empreendedor e/ou empresário, nosso município e, logo, todo o país, estarão prontos para crescer muito rapidamente com solidez e estabilidade social, uma vez que todo o aparato legal poderá finalmente dedicar-se em tempo integral àqueles crimes que chamamos de alta punibilidade, tais como o exercício da prostituição autônoma, o pequeno varejo de drogas e produtos pirateados, batedores de carteira, cambistas e falsos mendigos e aleijados – os delitos que comprovadamente mais irritam e incomodam o cidadão comum no seu dia-a-dia, espalhando um senso geral de desrespeito às leis que põe em risco os pilares da nossa paz social.

Comments

Anonymous said…
Arruma esse layout. Tá horrível entrar aqui.
É o mesmo de sempre. Eu não sei "arrumar layout" além do basicão daqui.

Popular posts from this blog

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p...