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Prosa minha: Ano da Fumaça

Há coisas que estão aí mas a gente não vê; só cogita na existência delas quando o destino faz um movimento mais brusco e nos dá um tranco. Sem aviso nem explicação, o tranco nos obriga a mover e assim deita a rodar a roda da história. Ali as opções são três: tentar fugir, tentar se matar ou, na falta de talento, força ou coragem, viver no fogo lento daquele inferno. Mas essa clareza eu só tive mesmo quando vi aquela cara rasgada, a cabeça rachada em gomos feito uma fruta amassada soltando um caldo grosso que empapava o chão. Mesmo que agora o Ano da Fumaça esteja num canto cada menos visitado da memória, me lembro ter sentido naquela hora exatamente o que sinto agora: nojo e medo mas também uma forma de êxtase, uma felicidade cristalina, difícil de explicar. Ali naquele momento eu não apenas entendi o que eu era e quais eram as minhas opções; eu também saí de um estupor de anos e a covardia já não era mais capaz de me paralisar. Ainda em choque eu cheguei mais perto e dei com a minha enxada naquele resto de cara em carne viva que se afundava na terra enlameada.
Trecho de conto em que ando trabalhando faz tempo.

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