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Sobre sanidade e sexo com Sade e Rousseau e Sontag

Susan Sontag fazendo pose de inteligente
Voltei, por força do meu trabalho, a um texto de 1967 de Susan Sontag chamado "The Pornographic Imagination". Não sou nenhum conhecedor profundo dela, mas gosto muito de Sontag e alguma lições fundamentais para o meu trabalho eu aprendi com ela, inclusive através de textos que ela escreveu para revistas de público amplo como resenhas para a The New Yorker. Em inglês "The Pornographic Imagination" pode ser lido em facsímile da revista Partisan Review aqui e é possível encontrar online no scribd a versão que saiu na coleção de ensaios chamada Styles of Radical Will - em português A vontade Radical que saiu pela Companhia das Letras. 

As obras de "pornografia literária" de Sade ou Bataille entre outros são o tema central do ensaio. Eu já tinha lido bastante Bataille - escrevi um artigo sobre ele e Faulkner que um dia hei de publicar um dia. Sade eu procurei ler um pouquinho por causa desse artigo. Chamou minha atenção quando li por aí o nome de Sade como exemplo de uma espécie de elegia a um sonho de liberdade sexual total para criticar a "puritanismo" de certas pessoas. 


Sade fazendo pose de... sádico
O curioso é que Sontag acha que as obras de Sade e Bataille caminham justamente na contramão desse tipo de visão que joga na conta da repressão judaico-cristã aos instintos sexuais a conta de tudo que dá errado quando entramos pelos meandros mais intensos da nossa própria sexualidade. Para Sontag Sade destrói com a sua obra perturbadora a ideia de Rousseau [li as Confissões e escrevi algo sobre ela aqui] de que o sexo seria sempre sano, natural e inteligível desde que estivesse livre de qualquer repressão [a sensacional Madame de Warens seria a figura que incorporaria no livro esse princípio]. 
Rousseau fazendo pose de inocente

Veja que longe de qualquer puritanismo besta, Sontag descarta interpretações como a de George Steiner, de que a pornografia existiria apenas como sintoma de uma sociedade doente [doente justamente pela repressão sexual]. Essa diferenciação vem, entre outras coisas, porque Sontag diferencia o ato de aventurar-se nos extremos da consciência humana através da performance de atos de violência, verbal ou de fato, do uso desses extremos de consciência como material para as artes. 
Sontag fica a quilômetros dos lugares comuns que ainda circulam até hoje por aí quando nos lembra que

Everyone has felt (at least in fantasy) the erotic glamor of physical cruelty and an erotic lure in things that are vile and repulsive. These phenomena are part of the genuine spectrum of sexuality, an if they are not to be written off as mere neurotic aberrations, the picture may look different from the one promoted by enlightened public opinion, and less simple. (222)


A sexualidade “may prove amenable to domestication through scruple, but then again, it may not” e “when people venture into the extremities of consciousness, they do so at the peril of their sanity, that is to say, of their humanity”. Trata-se de prudência [cujo fundamento é sempre um certa dose de humildade] para reconhecer o perigo que o ato pornográfico representa para a humanidade e sanidade não só dos que o praticam como dos que se encontram por perto.   
Arte minha: "A History of Violence"


Comments

Anonymous said…
Eu estava justamente me perguntando o que você andaria pensando sobre aquele dito caso, mas não quis perguntar porque, bem... nah.
Bom, confesso que continuo sem saber! Hahah!

Amplexo!
André
Unknown said…
Pois é, André, manifestações explícitas sobre o assunto só no privado mesmo.
O que eu poderia dizer daquilo tudo aqui é que tenho a impressão de que resolveram adaptar alguma peça menos conhecida do Nelson Rodrigues daquelas com um daqueles contínuos para os tempos modernos. Acho que eu prefiro o original que certamente se passa em alguma repartição pública e nos subúrbios do Rio de Janeiro capital federal.
E ficou muito ruim...
Anonymous said…
Sou da mesma opinião. Fiquei sabendo com uma semana de atraso, li um bom tanto a respeito pra ver do que se tratava e concluí que o melhor era ligar o foda-se.
Mas que ficou uma péssima adaptação, ficou.

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