As questões de gênero, de etnia e de classe não são diferentes da questão nacional ou mesmo da questão regional no estudo da literatura. Temos aí cinco recortes possíveis [entre muitos outros] para se ler um texto produtivamente e todos os cinco recortes são válidos desde que se reconheça algo que para mim é o óbvio: nenhum deles exaure o texto completamente. A partir desse reconhecimento humilde dos limites humanos de uma crítica qualquer, questões de gênero, etnia, classe, nação e região são recortes legítimos como formas de abordar o texto, e vão funcionar na medida em que o crítico tenha criatividade, bom senso e conhecimento para tirar o melhor proveito de cada um. Manuel Bandeira era homem, era branco, era de uma classe alta em decadência econômica, era basileiro e era pernambucano. E era muitas outras coisas também: era um homem do seu tempo, era um pernambucano morando no Rio de Janeiro, era um homem com um perfil psicológico específico só dele, era um tradutor ativo, era um professor e divulgador das literaturas latino americanas de língua espanhola no Brasil, era um modernista mais velho que os outros modernistas, etc. Eu não vejo limites e sim potencialidades incríveis a ser exploradas quando adotamos esses recortes ou mesmo quando cruzamos dois ou mais desses recortes de leitura [por exemplo, quando juntamos o recorte étnico ao da classe social, do gênero ao regional].
Essa pretensa obsessão com o “universal” nada mais é que um desejo de recalcar todos ou alguns desses aspectos em um dado texto. Esse gesto de recalque é feito pretensamente para não “diminuir” o texto. Há não ser que alguém se proponha a um projeto que leve à sério as ironies borgianas de crítica labiríntica, com caminhos que se bifurcam infinitamente ou livros de areia ou alephs TODA leitura crítica exerce uma redução [um recorte ou um deslocamento] no texto. Fora disso existem bons e maus críticos e os maus críticos serão maus de qualquer jeito com ou sem recortes. A crítica que pretensamente se preocupa com o universal flutuando no éter, “livre” do particular, opta pelo pior tipo de recorte/deslocamento: o recalque. Esse universal não existe senão na cabeça de certas pessoas que insistem à essa altura do campeonato em colocar a literatura em uma torre de marfim. É, na melhor das hipóteses, um gesto defensivo de resistência ao que poderíamos chamar genericamente de stalinismos [que reduziriam a literatura a uma função instrumental] que acaba sendo um tiro no pé. Em geral é expressão de um elitismo detestável que enxerga em si mesmo o ser humano em geral e nos outros meros desvios dessa entidade sublime.
O resultado desse recalque é muitas vezes cômico em sua miopia: não há nada mais regionalista do que certas ficções que abraçam a vida de centros urbanos como a cidade de São Paulo ou Nova Iorque em suas particularidades mais minuciosas, e não há nada de errado nisso! Esse tipo de “regionalismo urbano” pode ser bom ou ruim, o resultado não depende exclusivamente dessa escolha.
[escrevi esse texto instigado por post de Ricardo Domeneck no site Modos de Usar e Cia]
Essa pretensa obsessão com o “universal” nada mais é que um desejo de recalcar todos ou alguns desses aspectos em um dado texto. Esse gesto de recalque é feito pretensamente para não “diminuir” o texto. Há não ser que alguém se proponha a um projeto que leve à sério as ironies borgianas de crítica labiríntica, com caminhos que se bifurcam infinitamente ou livros de areia ou alephs TODA leitura crítica exerce uma redução [um recorte ou um deslocamento] no texto. Fora disso existem bons e maus críticos e os maus críticos serão maus de qualquer jeito com ou sem recortes. A crítica que pretensamente se preocupa com o universal flutuando no éter, “livre” do particular, opta pelo pior tipo de recorte/deslocamento: o recalque. Esse universal não existe senão na cabeça de certas pessoas que insistem à essa altura do campeonato em colocar a literatura em uma torre de marfim. É, na melhor das hipóteses, um gesto defensivo de resistência ao que poderíamos chamar genericamente de stalinismos [que reduziriam a literatura a uma função instrumental] que acaba sendo um tiro no pé. Em geral é expressão de um elitismo detestável que enxerga em si mesmo o ser humano em geral e nos outros meros desvios dessa entidade sublime.
O resultado desse recalque é muitas vezes cômico em sua miopia: não há nada mais regionalista do que certas ficções que abraçam a vida de centros urbanos como a cidade de São Paulo ou Nova Iorque em suas particularidades mais minuciosas, e não há nada de errado nisso! Esse tipo de “regionalismo urbano” pode ser bom ou ruim, o resultado não depende exclusivamente dessa escolha.
[escrevi esse texto instigado por post de Ricardo Domeneck no site Modos de Usar e Cia]
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