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A ambiguidade e o diabo

Através do excelente blogue do Idelber Alvelar, “O biscoito fino e a massa” cheguei a um texto interessante de Alan Pauls sobre 1968, que começa assim:

“Grosso modo, os 40 anos de Maio 68 produziram três reações:

1) ‘Maio 68 é responsável por todos os males que vivemos hoje: falta de autoridade, relativismo absoluto, crise dos valores’;

2) ‘Maio 68 é responsável por todas as conquistas das quais o presente pode se gabar: pluralismo, direitos das minorias, laicismo, anti-autoritarismo’;

3) ‘Maio 68 teve coisas geniais e coisas estúpidas’.

A pior, a mais medíocre, conformista, ignorante e reacionária é obviamente a terceira.”

A terceira opção me parece na melhor das hipóteses fruto do desejo de falar sem dizer coisa alguma. Em geral é algo bem pior que isso; trata-se de anular as diferenças para deixar que o consenso de Washington continue a desfilar os seus tanques, metafóricos e literais, pelo mundo.
Mas é preciso pintar a ambiguidade com matizes mais ricos. Essa história de falar sem dizer nada me lembra aquela história do sujeito que chegou no interior de MG e perguntou a um habitante da cidade:
- O que é que o pessoal daqui acha do prefeito?
- Tem gente que gosta e tem gente que não gosta.
- Mas e você, o que acha?
- É.
Para mim a anedota acima não revela nem hipocrisia, nem maldade, muito menos a pretensa “natureza conciliatória” do mineiro. É um exemplo lapidar [como é do feitio das expressões de sabedoria popular] do uso da ambiguidade [e da ironia] como estratégia de sobrevivência [e mesmo combate velado] em sociedades extremamente violentas e hierarquizadas – e quem acha que isso são coisas da república velha, lembrem-se os fiscais do trabalho em Unaí.
Há o outro lado dessa mesma moeda num par de outros ditados igualmente mineiros, infelizmente pouco conhecidos:
- Que remédio tem quem ama senão por o pé na lama?
- Pata do capeta não deixa rastro no atoleiro.
Adoro esses dois ditados porque acho que eles se completam, não apenas nas referências comuns a deixar marcas no barro, mas na idéia de que comprometer-se é tomar o caminho do amor, já que o recalque é a estratégia do diabo. Diabo que para mim existe no sentido que um outro mineiro, Ribaldo [ser fictício, mas talvez mais verdadeiro que eu ou você], definiu: “o diabo vige dentro do homem […] Solto por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum.”

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