"A farinha e o açúcar as atrairiam, o gesso esturricaria o de-dentro delas. Assim fiz. Morreram."
Clarice Lispector
Às vezes é preciso saber que há
também a hora do lixo e é preciso
ser concreto como uma anta
e cego como um prego.
Já dizia um escravo na barra do tribunal:
“no galinheiro a barata não tem vez”.
Explicar a galinha não absolve
nem liberta a barata do bico do sapato,
nem do açúcar, da farinha e do gesso.
A faca corta, a pedra quebra,
a fome não depende de ponto de vista,
mesmo sendo toda sua não se dissolve
nem no seu reconhecimento,
nem na sua ignorância,
nem mesmo no seu desespero.
Mesmo que você queira
com força, persistência e engenho
poder com a fome, a faca e a pedra
o açúcar, a farinha, o gesso,
a galinha ou o bico do sapato,
quando você acorda,
escova os dentes e sorri para o espelho dizendo:
“eu posso com a dor e a fome,
com a faca que corta minha pele
e a pedra que amassa meu dedo
com o açúcar, a farinha e o gesso,
com a galinha e o bico do sapato”,
mesmo assim, você ainda assim não pode, José.
Senão então,
vejamos o bilhete no bolso do suicida:
“Não faço exame,
não tenho câncer;
não tenho câncer,
não estou morrendo;
não estou morrendo,
continuo aqui, vivo,
quieto no meu canto.
PS. Açúcar, farinha e gesso
misturadas em partes iguais.”
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