Curto ensaio sobre a paranóia
O paranóico é o sujeito que se transforma num intérprete compulsivo de tudo - tudo à sua volta, da peruca do vizinho à cor dos ônibus, tem um sentido importante e precisa ser explicado. Salvador Dali tem um texto interessante em que ele classifica a estética daqueles quadros dele em que uma montanha é um rosto, etc de “paranóica”.
O combustível da paranóia é um sentimento primário de que ninguém escapa: medo. Mas isso em si não explica muito porque é claro que nem todo medroso é um paranóico. Além do medo o paranóico tem fé no sentido coerentes de todas coisas do mundo, uma convicção de que, por exemplo, se alguém tem câncer ou morre atropelado é por algum motivo “superior”. Mas, de novo, essa fé, como aquele medo, em si, não explica o paranóico. Afinal essa é uma fé que move muita gente que não padece desse mal. Para essas pessoas essa fé implica em tranquilidade ou pelo menos um consolo para a aceitação difícil de cânceres e atropelamentos que continuam acontecendo à revelia dos que acreditam na força do pensamento positivo, do corpo fechado, etc. Em um paranóico essa fé quase sempre se fixa na idéia de uma conspiração poderosa, uma fé que não apazigua, não dá paz, muito antes pelo contrário.
Eu sinceramente não vejo razão alguma para acreditar em alguma lógica superior que dê sentido para os cânceres e os atropelamentos que invariavelmente cruzam o caminho de cada um de nós. Os paranóicos despertam a minha compaixão por outro motivo: porque eu sei que eles sofrem muito com o medo. E sofrer com o medo não é uma experiência alheia à minha existência e, suspeito, à existência de ninguém. Mas, além da compaixão, os paranóicos me fascinam quando são realmente criativos nas suas interpretações do mundo. A maioria dos paranóicos não é assim: seus medos são banais e suas interpretações fantasiosas idem. Agora, quando a doença ataca pessoas que são talentosas e criativas... sai de baixo!
Mas o mundo da paranóia visto assim, como um universo estritamente pessoal, fica revelado pela metade. O aspecto individual é só parte do fenômeno. O outro aspecto do fenômeno paranóico é bem mais sinistro: o aspecto coletivo. A maioria dos nossos medos são compartilhados coletivamente e a paranóia pode se expressar como uma epidemia que se espalha pelo tecido social. Essas epidemias, geradas geralmente por um conjunto de fatores mais ou menos desarticulados, quando canalizada por alguém com talento e sede de poder, dá em Auschwitz ou pelo menos em Guantánamo.
Ou será que eu estou ficando paranóico? Não. Não se trata de uma epidemia planejada por meia-dúzia de figurões em um hotel cinco estrelas. Uma série de fatores concretos [fome, recessão, desemprego, crime, violência, traumas, guerras, etc] se combina com uma série de discursos ideológicos [racismo, nacionalismo, xenofobia, misoginia, homofobia, etc] e um grupo de pessoas articulam esses dois tipos coisas [um tipo concreto e objetivo e o outro abstrato e subjetivo] em um discurso paranoicamente coerente que de repente incendeia as pessoas. Essa paranóia como fenômeno coletivo é um mecanismo privilegiado de propagação da ignorância. O que constitui uma ironia e tanto, já que na origem da paranóia está exatamente esse desejo humano de lidar com o medo interpretando o mundo e produzindo sentido.
Uma ironia, sim, mas não propriamente um paradoxo. O paranóico é um ser doente. Quem já conheceu um distúrbio mental de perto [em si ou em um ente próximo] sabe que a idealização romântica da loucura é uma bobagem. Cabe refletir e questionar as fronteiras entre o que definimos coletivamente como loucura e sanidade, mas isso não significa que as duas categorias tenham perdido o sentido. O respeito pelo doente mental como ser humano não passa por ignorar a doença que existe mas sim por ajudar aquele ser humano na medida do pssível a lidar com algo que traz a esse ser humano e aos que vivem a sua volta, muito sofrimento.
O paranóico é o sujeito que se transforma num intérprete compulsivo de tudo - tudo à sua volta, da peruca do vizinho à cor dos ônibus, tem um sentido importante e precisa ser explicado. Salvador Dali tem um texto interessante em que ele classifica a estética daqueles quadros dele em que uma montanha é um rosto, etc de “paranóica”.
O combustível da paranóia é um sentimento primário de que ninguém escapa: medo. Mas isso em si não explica muito porque é claro que nem todo medroso é um paranóico. Além do medo o paranóico tem fé no sentido coerentes de todas coisas do mundo, uma convicção de que, por exemplo, se alguém tem câncer ou morre atropelado é por algum motivo “superior”. Mas, de novo, essa fé, como aquele medo, em si, não explica o paranóico. Afinal essa é uma fé que move muita gente que não padece desse mal. Para essas pessoas essa fé implica em tranquilidade ou pelo menos um consolo para a aceitação difícil de cânceres e atropelamentos que continuam acontecendo à revelia dos que acreditam na força do pensamento positivo, do corpo fechado, etc. Em um paranóico essa fé quase sempre se fixa na idéia de uma conspiração poderosa, uma fé que não apazigua, não dá paz, muito antes pelo contrário.
Eu sinceramente não vejo razão alguma para acreditar em alguma lógica superior que dê sentido para os cânceres e os atropelamentos que invariavelmente cruzam o caminho de cada um de nós. Os paranóicos despertam a minha compaixão por outro motivo: porque eu sei que eles sofrem muito com o medo. E sofrer com o medo não é uma experiência alheia à minha existência e, suspeito, à existência de ninguém. Mas, além da compaixão, os paranóicos me fascinam quando são realmente criativos nas suas interpretações do mundo. A maioria dos paranóicos não é assim: seus medos são banais e suas interpretações fantasiosas idem. Agora, quando a doença ataca pessoas que são talentosas e criativas... sai de baixo!
Mas o mundo da paranóia visto assim, como um universo estritamente pessoal, fica revelado pela metade. O aspecto individual é só parte do fenômeno. O outro aspecto do fenômeno paranóico é bem mais sinistro: o aspecto coletivo. A maioria dos nossos medos são compartilhados coletivamente e a paranóia pode se expressar como uma epidemia que se espalha pelo tecido social. Essas epidemias, geradas geralmente por um conjunto de fatores mais ou menos desarticulados, quando canalizada por alguém com talento e sede de poder, dá em Auschwitz ou pelo menos em Guantánamo.
Ou será que eu estou ficando paranóico? Não. Não se trata de uma epidemia planejada por meia-dúzia de figurões em um hotel cinco estrelas. Uma série de fatores concretos [fome, recessão, desemprego, crime, violência, traumas, guerras, etc] se combina com uma série de discursos ideológicos [racismo, nacionalismo, xenofobia, misoginia, homofobia, etc] e um grupo de pessoas articulam esses dois tipos coisas [um tipo concreto e objetivo e o outro abstrato e subjetivo] em um discurso paranoicamente coerente que de repente incendeia as pessoas. Essa paranóia como fenômeno coletivo é um mecanismo privilegiado de propagação da ignorância. O que constitui uma ironia e tanto, já que na origem da paranóia está exatamente esse desejo humano de lidar com o medo interpretando o mundo e produzindo sentido.
Uma ironia, sim, mas não propriamente um paradoxo. O paranóico é um ser doente. Quem já conheceu um distúrbio mental de perto [em si ou em um ente próximo] sabe que a idealização romântica da loucura é uma bobagem. Cabe refletir e questionar as fronteiras entre o que definimos coletivamente como loucura e sanidade, mas isso não significa que as duas categorias tenham perdido o sentido. O respeito pelo doente mental como ser humano não passa por ignorar a doença que existe mas sim por ajudar aquele ser humano na medida do pssível a lidar com algo que traz a esse ser humano e aos que vivem a sua volta, muito sofrimento.
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