Skip to main content

Uma janela para o meu ofício: escrevendo sobre Machado de Assis

Em dias difíceis como os desse abril que passou e desse maio que está custando a passar, tive momentos prazeirosos de paz com Machado de Assis. Estar com Machado é, por tabela, estar com meu finado pai, que era um grande admirador de Machado e é uma sombra imensa na minha vida.

Não estive esses dias com Machado de Assis como um todo ou Machado em geral; mas sim com um conto específico de Machado: "A causa secreta". Encontrei o levantamento muito útil e bem feito por Mauro Rosso sobre os contos de Machado de Assis e recomendo o trabalho dele como primeiro passo para qualquer um que quiser trabalhar com qualquer uma das histórias do Machado.

Desenterrei então a primeira versão do conto na primeira página do jornal Gazeta de Notícias em 1885, num sábado primeiro de agosto:

Cortesia da hemeroteca da Biblioteca Nacional

Desenterrei depois a primeira versão em livro, de 1896, e encontrei algumas revisões muito interessantes:


Investiguei com prazer as datas e endereços explicitadas no conto, com um olho atento para esse Balzac mulato do Rio de Janeiro do século XIX e descobri outras tantas coisas interessantes. Luiz Carlos Soares foi meu guia principal.

Li um texto maravilhoso de Paul Dixon sobre o conto que quase me fez desistir de escrever. Li também textos de bambas do calibre de Silviano Santiago, Alfredo Bosi, Antonio Cândido e Augusto Meyer.

Para ler o conto bem de pertinho, cotejei com calma e prazer as duas traduções para o inglês feitas dos dois lados do Atlântico por ninguém menos que os cobras Helen Caldwell e John Gledson. Para não ficar naquele habitual prefiro a tradução A porque a B é pior porque etc, estudei com calma as ideias de Barbara Cassin no seu dicionário onde filosofia e tradução são irmãs siamesas. Por causa dessa rapaziada acabei ainda re-estudando os velhos metaplasmos dos meus tempos de latim e um odioso livro sobre traduções de um Ralph Krüger.

Em meu auxílio para entender as perversidades que minha pobre alma moldada pelos jesuítas não gostaria de conhecer [mas precisava conhecer agora a fundo, por exigência do Machado] vieram um imenso e cacetíssimo texto de Freud onde ele discorre sobre o que nós chamamos de voyeurismo [ele preferia "scopofilia"] e um imenso e interessantíssimo texto de Susan Sontag sobre o imaginação pornográfica onde ela fala com muita propriedade sobre essa literatura que se dedica às perversões do ser humano. Finalmente Greimas, o chato dos chatos, me ofereceu um desses textos que eu vou levar para sempre para as minhas aulas: "Sobre el cólera". Só com ele consegui costurar a bagunça do Freud com Sontag num jeito que me serviu para chegar ao Machado. Cheguei a esse tecto de Greimas por cortesia de Glauco Mattoso e Antonio Vicente Seraphim Pietroforte, que o citam e que incluiram "A causa secreta" numa antologia de textos sado-masoquistas da literatura brasileira.

São dezenove páginas de puro prazer para mim.

Comments

Popular posts from this blog

Diário do Império - Antenado com a minha casa [BH]

Acompanho a vida no Brasil antes de tudo pela internet, um "lugar" estranho em que a [para mim tenebrosa] classe m é dia brasileira reina soberana, quase absoluta, com seus complexos, suas mediocridades e sua agressividade... Um conhecido, daqueles que ao inv és de ter um blogue que a gente visita quando quer, prefere um papel mais ativo, mandando suas "id éias" para os outros por e-mail, me enviou o texto abaixo, que eu vou comentar o mais sucintamente possível: resolvi a partir de amanh ã fazer um esforço e tentar, al ém do blogue, onde expresso minhas "id éias" passivamente, tentar me comunicar diretamente com as pessoas por carta... OS ALUNOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES DERAM UMA RESPOSTA; E A BRIGA CONTINUOU ... 1 - PROVOCAÇÃO INICIAL Estudar na PUC:............... R$ 1.200,00 Estudar no PITÁGORAS:..........R$ 1.000,00 Estudar na NEWTON:.....R$ 900,00 Estudar na FUMEC:............ R$600,00 Estudar na UNI-BH:........... R$ 550,00 Estudar na

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia institucional católica não conseguem [ou não tentam] entender muito o sistema