Skip to main content

Poesia minha: São muitas as nossas possibilidades

Igreja de São José da Boa Morte em Macacu,
foto de Vítor Gabriel
São muitas as nossas possibilidades:

No coração basta um tiro certeiro;
No pescoço, uma forca bem feita;
Pela boca ou pela veia,
uma injeção ou um copo cheio
de remédio ou de veneno.
Basta um toque dum dedo
num fio desencapado.
Na cabeça basta um saco plástico.
Basta uma lâmina afiada
que corra do pulso ao antebraço.
Longe dos trópicos,
basta uma noite fria
passada ao relento.
Pode-se pular dum lugar bem alto
ou cercar-se de água por todos os lados.
Pode-se dormir com o motor ligado
numa garagem fechada.
Pode-se atirar-se na frente de um trem
ou atirar barranco abaixo o próprio carro.

Ou então basta seguir vivendo
até que o coração pare
ou os rins se estraguem.
Até que venha um câncer
na bexiga, no útero, no seio,
no cólon, no baço, no reto,
no sangue, na pele, no pulmão,
na próstata, no pâncreas, nos rins,
na bendita tireoide.
Até que um pulmão murche
ou um vaso estoure.
Até que nos encontre numa esquina
desprovidos de antibióticos
a tuberculose, essa velha senhora,
ou suas irmãzinhas velhacas,
a pneumonia e a influenza.
Até que leiamos no próprio corpo
um catálogo de inflamações.
Até que os ventos do tempo tragam
as nuvens carregadas de nada da demência
ou as marés de doçura venenosa da diabetes:


São muitas as nossas possibilidades.

Comments

Popular posts from this blog

Protestantes e evangélicos no Brasil

1.      O crescimento dos protestantes no Brasil é realmente impressionante, saindo de uma pequena minoria para quase um quarto da população em 30 anos: 1980: 6,6% 1991: 9% 2000: 15,4%, 26,2 milhões 2010: 22,2%, 42,3 milhões   Há mais evangélicos no Brasil do que nos Estados Unidos: são 22,37 milhões da população e mais ou menos a metade desses pertencem à mesma igreja.  Você sabe qual é? 2.      Costuma-se, por ignorância ou má vontade, a dar um destaque exagerado a Igreja Universal do Reino de Deus e ao seu líder, Edir Macedo. A IURD nunca representou mais que 15% dos evangélicos e menos de 10% dos protestantes como um todo. Além disso, a IURD diminuiu seu número de fiéis   nos últimos 10 anos de acordo com o censo do IBGE, ao contrário de outras denominações, que já eram bem maiores. 3.      Os jornalistas dos jornalões, acostumados com a rígida hierarquia inst...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...