"Ah, para quê? Para Quinca dizer que não acreditava em Deus. E para Deus,
no começo com muita paciência, dizer que era Deus mesmo e que provava. Fez uns
dois milagres só de efeito, mas Quinca disse que era truques e que, acima de
tudo, o homem era homem e, se precisasse de milagre, não era homem. Deus, por
uma questão de honestidade, embora o coração pedisse contra nessa hora,
concordou. Então ande logo por cima da água e não me abuse, disse Quinca. E eu
só preocupado com a falta de paciência de Deus, porque, se ele se aborrecesse,
eu queria pelo menos estar em Valença, não aqui nesta hora. Mas ele só
patati-patatá, que porque ser santo era ótimo, que tinha sacrifícios mas também
tinha recompensas, que deixasse daquela besteira de Deus não existir, só faltou
prometer dez por cento. Mas Quinca negaceava e a coisa foi ficando preta e os
dois foram andando para fora, num particular e, de repente, se desentenderam.
Eu, que fiquei sentado longe, só ouvia os gritos, meio dispersados pelo vento."
Trecho do conto "O Santo que não acreditava em Deus" de João Ubaldo Ribeiro
Trecho do conto "O Santo que não acreditava em Deus" de João Ubaldo Ribeiro
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