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Recordar é viver: O Nabuco quer destruir você!

Trecho significativo de O Abolicionismo de Joaquim Nabuco:

"Compare-se com o Brasil atual da escravidão o ideal de Pátria que nós, Abolicionistas, sustentamos: um país onde todos sejam livres; onde, atraída pela franqueza das nossas instituições e pela liberdade do nosso regímen, a imigração européia traga, sem cessar, para os trópicos uma corrente de sangue caucásico vivaz, enérgico e sadio, que possamos absorver sem perigo, em vez dessa onda chinesa, com que a grande propriedade aspira a viciar e corromper ainda mais a nossa raça; um país que de alguma forma trabalhe originalmente para a obra da humanidade e para o adiantamento da América do Sul.

Essa é a justificação do movimento Abolicionista."

Um tema constante nos discursos do parlamentar Nabuco nos anos 80 do século XIX: o combate veemente à imigração chinesa para o Brasil, que iria "corromper ainda mais a nossa raça. Outro tema constante: a conveniência da importação de "sangue caucásico vivaz, enérgico e sadio" em nome do avanço da "obra da humanidade" [européia] e o adiantamento do continente. Nos dois temas as marcas absolutamente óbvias do racismo positivista mais desbragado. 

O texto não me chama atenção pela originalidade ou pela ousadia. São ideias repugnantes de superioridade que grassavam em todos os cantos das Américas e da Europa no final do século XIX. Não tenho a menor pretensão de sair caçando bruxas como fizeram recentemente com Monteiro Lobato. O que me espanta é que ninguém parece ler o que eu leio nesse que está longe de ser um texto obscuro de Joaquim Nabuco. Ninguém parece querer fazer qualquer tipo de observação crítica a esse trecho que está num dos livros mais conhecidos de Nabuco. O texto acima figura com destaque absoluto, por exemplo, entre os textos de Nabuco no saite da Academia Brasileira de Letras

O texto nos apresenta, sem meias palavras, o ideal de Pátria e a justificação do movimento abolicionista na concepção de Joaquim Nabuco - também conhecido na época das campanhas abolicionistas como "Quincas, o belo". Não seria então possível fazer uma leitura mais sinistra da frase que decora a ilustração desse texto? A que obra se refere Nabuco quando diz que "não basta acabar com a escravidão. É preciso destruir a sua obra"? Seria a presença de milhões de descendentes de africanos no Brasil que teria que ser destruída pela fome, pela doença, pela falta de educação, pelo desemprego crônico, pela discriminação, pelo abandono, pela violência policial, pela injustiça do sistema legal? Seria essa imensa África no Brasil que teria que ser destruída para que se abrisse caminho para um país cheio de "sangue vivaz, enérgico e sadio"?   

Em vista da celebração e do silêncio desse tipo de discurso, o que se seguiu e ainda se segue não deveria ser visto então com surpresa.  

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