Seo Habão, de nome Abrão, era dono de terras na margem oeste do Rio
São Francisco, a parte mais deprimida economicamente, reduzida à miséria
completa pelo longo declínio das Minas e do norte de Minas Gerais, um longo e
melancólico processo de decadência de mais de cem anos que só as novas minas
[de ferro] e a siderurgia na segunda metade do século XX iriam mitigar. Ali
vaga meio sem rumo, debilitado por doenças e exaustão, o bando de Riobaldo e
Diadorim, liderado por um hesitante Zé Bebelo que tenta se aproveitar das novas
guerras de jagunços para voltar a ser chefe de bando. Riobaldo se aproxima para
conversar com Seo Habão e logo percebe as intenções do fazendeiro:
“Dei um jeito, fazendo como se menos quisesse, e vim em fala. Seô
Habão me olhou com tanta norma desusada, que eu senti minhas falsidades. E
esqueci as palavras primeiras, que tinha aprontado para declarar.
– ‘Seô Capitão Habão...’ – eu disse; e num relance eu conheci que
estava também tendo de falar o p’r’ agradar.
Assim, o que dissertei foi que eu sabia do título de capitão que ele
usufruía, por ter relido o diploma, na casa do Valado, que de roubos a furtos a
gente do Sucruiú tinha devastado. E contei a ele que a referida patente eu
tinha por cautela apanhado do chão e guardado dentro do oratório, por detrás
das imagens dos santos.
Ele nem deu ar de interesse no fato, não me agradeceu por isso;
perguntou nada. Disse:
- ‘A bexiga do Sucruiú já terminou. Estou ciente dos que morreram:
foram só dezoito pessoas...’
E o que indagou foi se eu soubesse se tinham feito muitos estragos
nos canaviais. – ‘... O que eles deixaram em pé, e quelobo ou mão-pelada não
roeram, sempre há-de dar uns carros, se move moagem...’ Agora ele conservava os
olhos sem olhar, num vagar vago, circunspecto, pensava aqueles capítulos. Disse
que ia botar os do Sucruiú para o corte da cana e fazeção de rapadura. Ao que a
rapadura havia de ser para vender para eles do Sucruiú, mesmo, que depois
pagavam com trabalhos redobrados. De ouvir ele acrescentar assim, com a mesma
voz, sem calor nenhum, deu em mim, de repente, foram umas nervosias. Ao que,
aqueles do Sucruiú, fossem juntas-de-bois em
canga, criaturas de toda proteção apartadas. Mas eu não tinha raiva
desse seô Habão, juro ao senhor, que ele não era antipático. Eu tinha era um
começo de certo desgosto, que seria meditável. – ‘Para o ano, se Deus quiser,
boto grandes roças no Valado e aqui... O feijão, milho, muito arroz...’ Ele
repisava, que o que se podia estender em lavoura, lá, era um desadoro. E espiou
para mim, com aqueles olhos baçosos – aí eu entendi a gana dele: que nós, Zé
Bebelo, eu, Diadorim, e todos os
companheiros, que a gente pudesse dar os braços, para capinar e roçar,
e colher, feito jornaleiros dele.”
[continua amanhã]
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