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A Vanguarda, a massa e as sete linhas da Umbanda

A Vanguarda, a massa e as sete linhas da Umbanda 

Arte minha: Curiosidades
      Um dia nós nos reunimos no porão da casa dos nossos pais e decidimos que estava na hora de fazer a ligação que transformaria as nossas vidas de uma vez por todas, sem apelação. Discamos trêmulos o número anotado num papelzinho amassado e esperamos em silêncio emocionado pela voz do outro lado.
-       Alô?
-       Sim? Quem fala?
-       Aqui é a Vanguarda. Eu gostaria de falar com a Massa.
-       Quem? Márcia?
-       Não. A Massa. o Povo. Aqui quem fala é a Vanguarda.
-       Olha, a senhora vai me desculpar, Dona Eduarda, mas o Povo saiu.
-       Saiu? Como assim?
-       É, saiu. Faz uma hora. Porque? Por acaso o povo tinha compromisso marcado com a senhora, Dona… Como é mesmo o nome da senhora?
-       Vanguarda. Vanguarda Socialista Popular Operária. Escuta, você poderia me informar aonde é que o povo foi?
-       O Povo foi ao campo ver o jogo com o… (silêncio)
-       Com quem?
-       Olha, Dona Eduarda, a senhora vai me desculpar, mas eu nem conheço a senhora…
-       Como não? Eu e o Povo somos unha e carne. Ele nunca falou de mim para você não?
-       Não.
-       Não?
-       Não.
-       Tem certeza?
-       Com esse nome que a senhora tem, a senhora acha que eu não ia me lembrar se alguém aqui em casa tivesse…
-       E com quem é que eu estou falando?
Reconhecemos a dona da voz antes que ela respondesse e desligamos na hora. Era a ditadura. Ou seria a Rede Globo? Ou a CIA? Fosse quem fosse, sendo uma das três a coisa toda de certa forma servia de consolo para a Vanguarda Socialista Popular Operária, que podia assim considerar que toda aquela conversa telefônica atravessada não passava de um trote de mau gosto. Quem sabe a gente é que tinha discado o número errado? Ligamos de novo, repetindo os números em voz alta e discando com todo cuidado, mas da segunda vez ninguém respondeu. Tentamos todas as sete linhas da Umbanda, em vão. Ou dava ocupado ou caía numa secretária eletrônica quase sem mensagem, deixe o seu recado depois do bip e biiiip.
E continuamos trancados no subsolo da casa esperando a massa, o inquieto cardume de peixes alheio ao social, submisso ante o poder, indiferente quanto ao mal, resignado com as próprias dores; esperando o estalo que iluminaria a unidade profunda da quimera e desencadearia a paixão ardorosa e fulminante que faria daquele rebanho desmilinguido um ser coletivo, um ente poderoso no qual as preocupações mesquinhas de cada um se dissolveriam e as pequenas vontades individuais se somariam em uma vontade geral que seria um maremoto audacioso que seguiria em linha reta rumo ao seu objetivo, levando tudo, os inimigos e os indiferentes, os vacilantes e os amedrontados, até a vitória.

Saímos ontem, cada um na usa caixa de pinho, nos ombros calejados dos profissionais do ramo. Amanhã a gente continua.  

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