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Pautas esquecidas no meio do bate boca 1 - Um assunto de primeira importância e urgência em época de eleição

Nos Estados Unidos estuda-se bastante, inclusive nas escolas secundárias, a carta que um ex-escravo, Jordon Anderson, publicou num jornal em 1865 ao saber que o seu antigo senhor, o Coronel P.H. Anderson, estava procurando por ele e queria a sua volta à fazenda. A carta inteira é magnífica e pode ser lida na totalidade aqui [onde todo o contexto da carta é dado em detalhes também]. 

Fico aqui apenas com um trecho: 


"I served you faithfully for thirty-two years, and Mandy twenty years. At twenty-five dollars a month for me, and two dollars a week for Mandy, our earnings would amount to eleven thousand six hundred and eighty dollars. Add to this the interest for the time our wages have been kept back, and deduct what you paid for our clothing, and three doctor's visits to me, and pulling a tooth for Mandy, and the balance will show what we are in justice entitled to. Please send the money by Adams's Express, in care of V. Winters, Esq., Dayton, Ohio. If you fail to pay us for faithful labors in the past, we can have little faith in your promises in the future. We trust the good Maker has opened your eyes to the wrongs which you and your fathers have done to me and my fathers, in making us toil for you for generations without recompense."

Vejam que, com toda a sua ironia, Jordon é até camarada e sequer pensa em cobrar pelo trabalho que seus pais e avós foram forçados a fazer sem receber um tostão furado. 

Ora, pensem que cada negro brasileiro começou sua vida em liberdade dessa maneira, sem receber sequer um tostão por anos e anos, por gerações e gerações de trabalho extorquido na base da pancada e mesmo de ameaças de morte. Muito antes pelo contrário, a maioria dos negros brasileiros já tinham pago aos seus senhores pela sua liberdade quando a abolição foi decretada em 1888 - imaginem o que é ter que PAGAR a alguém que explora seu trabalho por anos e anos a fio. Imaginem a riqueza produzida pelas mãos e braços de todos os milhões de africanos trazidos à força para o Brasil e outros países da América e percebe-se que esses países devem muito, sim, aos seus habitantes negros, sejam eles maioria ou minoria. Não há mais tempo para fazer cenas de culpa e pedir perdão e jurar não ser racista. Há que se pensar que um combate absolutamente intransigente ao racismo e à discriminação racial formam apenas uma pequena parte do pagamento dessa dívida. Outra parte teria que vir com um esforço coletivo da sociedade e do estado que essa sociedade sustenta para apoiar resolutamente, vigorosamente a educação e o desenvolvimento humano das novas gerações dos descendentes desses escravos. Cuidar de cultivar neles a cultura e o amor próprio, o orgulho pelo que já conquistaram apesar de tantos obstáculos e a consciência de que eles não dependem dos favores ou da boa vontade de ninguém - apenas de um sentido de justiça.
Aqui está um breve resumo de como os candidatos a presidente se posicionaram sobre o assunto. Chamo atenção que qualquer diferenciação entre eles depende de um grande esforço de ler nas entrelinhas, considerando o peso e o espaço dado a determinadas propostas específicas. Nenhum deles com exceção do sinceramente ridículo candidato nanico/pastor, falou explicitamente contra políticas de combate à desigualdade racial [veja bem, o termo vai muito além de combate ao racismo]. Falar não custa nada, ainda mais em programas de governo que costumam ser jogados no lixo, se ninguém cobrá-los nos anos seguintes. Sei que para a maioria esse assunto não tem a mesma importância de outros e duvido que alguém faça qualquer questionamento mais sério a Aécio Neves ou Dilma Rousseff sobre o assunto. Para mim tem. Porque essa dívida já passou tempo demais e está mais do que na hora de começar a pagá-la. 

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