Skip to main content

Quem te conhece que te compre: Oswald de Andrade e a antropofagia no PRP

O Rei da Vela
Washington Luís, promotor do matriarcado
de Pindorama entre "o povo
laborioso e feliz de São Paulo"
Eis que trago a vocês nosso herói Oswald Andrade escrevendo em 1930 [apenas dois anos depois do acontecimento canibal]. Nesse texto encontrável nas Obras Completas de Oswald de Andrade no volume chamado de Estética e Política, ele tece loas ao PRP de Washington Luís [aquele mesmo que dizia que a questão social é um problema de polícia] e desce a ripa nos dissidentes da elite paulista que tinham se aboletado no PD [Partido Democrático] e ficado [ainda naquele momento] ao lado de Getúlio Vargas. Registro desse texto apenas duas "pérolas" que eu acho particularmente significativas.

O primeiro trecho compara as duas forças rivais de São Paulo:

"Quem é mais povo, o Major Molinaro, cabo do Partido Republicano e representante direto de uma grande massa de choferes da nossa praça, ou os magnatas que esbanjaram centenas de contos de réis para comprar cadeiras no congresso?"
[O Major José Molinaro [1875-1928] era membro da "camorra da luz" com "mais de cinquenta" prisões até ter seus antecedentes apagados ao se tornar cabo eleitoral do PRP. "'Possuía' 9.000 eleitores no distrito do Bom Retiro" e se tornou dono de uma grande frota de táxis, de postos de gasolina, de garagens, de oficinas e de uma revendedora Ford. Conhecido tanto por ter "um excelente coração" como por "mandar dar surras" em quem o desafiasse, Molinaro acabou assassinado em circunstâncias mal explicadas em 1928 por um ex-sócio seu, mesário do PRP de nome Eduardo Benatti, que abordou Molinaro na frente da câmera municipal. Para os detalhes dessa história, leia aqui]

O segundo elogia a continuidade da continuidade na política do estado que acabara de eleger Júlio Prestes presidente:

"O povo laborioso e feliz de São Paulo continua solidário com a obra de liberdade, de progresso real, de desenvolvimento maravilhoso, de união e de ordem que lhe assegura brilhantemente o Partido Republicano Paulista."
[Essa aí acho que não precisa nem explicar nada...]

Ah, Oswald, esse nosso faraó antropófago, herói libertário de tantos e tantos incautos arautos do Tropicalismo mofado que virou o nosso senso comum da cultura brasileira...

Comments

gostei desse post :)
Anonymous said…
Bom que você gostou, Sabina. Eu trombei com isso preparando uma aula sobre Paulo Prado e não resisti.

Popular posts from this blog

Contos: "O engraçado arrependido" de Monteiro Lobato

Monteiro Lobato conta em "O engraçado arrependido" a história trágica de um homem que não consegue se livrar do papel de palhaço da cidade, papel que interpretou com maestria durante 32 anos na sua cidade interiorana. Pontes é um artista, um gênio da comédia e por motives de espaço coloco aqui só o miolo da introdução em que o narrador descreve o ser humano como “o animal que ri” e descreve a arte do protagonista: "Em todos os gestos e modos, como no andar, no ler, no comer, nas ações mais triviais da vida, o raio do homem diferençava-se dos demais no sentido de amolecá-los prodigiosamente. E chegou a ponto de que escusava abrir a boca ou esboçar um gesto para que se torcesse em risos a humanidade. Bastava sua presença. Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes. E se entreabria o bico, Nossa Senhora! eram cascalhadas, eram rinchavelhos, e...

Poema meu: Saudades da Aldeia desde New Haven

Todas as cartas de amor são Ridículas. Álvaro Campos O Tietê é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia, mas o Tietê não é mais sujo que o ribeirão que corre minha aldeia porque não corre minha aldeia. Poucos sabem para onde vai e donde vem o ribeirão da minha aldeia, 
 que pertence a menos gente 
 mas nem por isso é mais livre ou menos sujo. O ribeirão da minha aldeia 
 foi sepultado num túmulo de pedra para não ferir os olhos nem molhar os inventários da implacável boa gente da minha aldeia, mas, para aqueles que vêem em tudo o que lá não está, 
 a memória é o que há para além do riberão da minha aldeia e é a fortuna daqueles que a sabem encontrar. Não penso em mais nada na miséria desse inverno gelado estou agora de novo em pé sobre o ribeirão da minha aldeia.

Uma gota de fenomenologia

Esse texto é uma homenagem aos milhares de livrinhos fininhos que se propõem a explicar em 50 páginas qualquer coisa, do Marxismo ao machismo e de Bakhtin a Bakunin: Uma gota de fenomenologia Uma coisa é a coisa que a gente vive nos ossos, nos nervos, na carne e na pele; aquilo que chega e esfria ou esquenta o sangue do caboclo. Outra coisa bem outra é assistir essa mesma coisa, mais ou menos de longe. Nem a mãe de um caboclo que passa fome sabe o que é passar fome do jeito que o caboclo que passa fome sabe. A mãe sabe outra coisa, que é o que é ser mãe de um caboclo que passa fome. Isso nem o caboclo sabe: o que ela sabe é dela só, diferente do caboclo e diferente do médico que recebe o tal caboclo e a mãe dele no hospital. O médico sabe da fome do cabloco de um outro jeito porque ele já ficou mais longe daquela fome um tanto mais que a mãe e outro tanto bem mais que o caboclo. O jeito que o médico sabe da fome daquele caboclo pode ser mais ou menos só dele ainda, mas isso só se ele p...