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Showing posts from May, 2013

Poesia minha: Nós vamos afundar

Ilustração: "Mecanismo" de Letícia Galizzi Nós vamos afundar Nós vamos afundar devagar até o fundo da garrafa e lá vamos nos encontrar transformados em bestas de corpo fosforescente, criaturas vivendo sem luz, no fundo mais fundo, submersos no lodo, sem olhos para abrir e ver, só um par de antenas cravadas no couro velho e duro. E, no momento mais agudo, esses monstros lá de baixo vão nos mastigar devagar e, como nossas irmãs as hienas, vão nos enterrar na areia e voltar para comer o resto mais tarde. Mas um corpo morto é um copo deitado, não segura mais nada; aberto para o mundo, não se fecha nunca mais. Ah, nós vamos afundar devagar, e vai ser bom demais. Porque lá no fundo a felicidade vai estar nos esperando com a boca aberta, macia, sem dentes, pronta para nos engolir sem mastigar. Ah, vai ser bom de...

Escavando notas: ignorância e alienação

Simón Bolívar Disse Simón Bolívar num discurso famoso na Venezuela em 1819:   "La esclavitud es la hija de las tinieblas; un pueblo ignorante es un instrumento ciego de su propia destrucción; la ambición, la intriga, abusan de la credulidad y de la inexperiencia de hombres ajenos de todo conocimiento político, económico o civil; adoptan como realidades las que son puras ilusiones; toman la licencia por la libertad, la traición por el patriotismo, la venganza por la justicia. " Assino embaixo, mas há que substituir "ignorante" por "alienado", um estado que não se resolve necessariamente com escolaridade. A escola pode combater a ignorância e promover a alienação e assim nos educamos mas continuamos instrumentos cegos de nossa própria destruição.  

Sobre mitos e lendas

Thomas Jefferson Essa reflexão me veio a partir da pergunta curta mas interessante de uma amiga sobre o que motiva gente inteligente e não-conservadora a mobilizar-se com tanto empenho contra políticas de combate à desigualdade racial no Brasil. Num texto sobre a atuação de historiadores mexendo nos vespeiros do passado, John Eliot me ofereceu uma explicação involuntária para o desconforto que as políticas contra a desigualdade racial causam em várias pessoas no Brasil:   “In general, native historians are more likely than outsiders to be aware of the degree to which a revisionist approach to national history implies losses as well as gains. Imagined communities are shaped in large part by a shared recollection of the past, and societies deprived of cherished memories are threatened by a loosening of the ties that bind them together. To the extent that those memories are wrapped within myths and legends, there are understandable grounds for anxiety...

Imperialismos Grandiloquentes e Insurgentes

Um governante de um país rico e poderoso resolve invadir e derrubar o governo de um país inadimplente, empobrecido e arrasado por uma longa e dolorosa guerra com um vizinho e por anos de guerra civil fraticida. A resistência aos intuitos do tal governante poderoso de “regenerar” o país invadido com uma mudança de regime aumenta paulatinamente até que as tropas do poderoso país são obrigadas a abandonar o governo fantoche à sua própria sorte. Os insurgentes do país invadido então retomam o país e fuzilam o líder do governo fantoche. O líder da resistência fica famoso pela frase: “Entre as nações como entre os indivíduos,o respeito ao direito do outro é a paz”. Essa história aconteceu no século XIX. Os países envolvidos nela são França e México. O líder na França era Napoleão III. O líder do governo fantoche era Maximiliano de Habsburgo, primo de D. Pedro II e príncipe austríaco. O líder dos Mexicanos era Benito Juárez, razão pela qual tanta gente no Br...

A Cientologia e a IURD

No The Guardian o sujeito descreve a tal Cientologia nos seguintes termos, digamos, tenebrosos: “Scientology is a neat reflection of the worst aspects of American culture with its repulsive veneration of celebrity; its weird attitudes towards women, sex, healthcare and contraception; its promise of equality among its followers but actual crushing inequality…. It is, in its own dark way, the inevitable religion to emerge from 20th-century America.” Tenho minhas dúvidas sobre essas explicações muito “redondinhas” que fazem uma coisa reflexo assim tão óbvio da outra. Um religião é reflexo de uma parte da cultura de uma época e todas as culturas estão imantadas por desejos contraditórios que circulam num dado lugar e tempo. Cada época produz suas religiões com o material que o passado legou e o presente oferece, mas é uma criação coletiva, resultado de muitas subjetividades e vontades diferentes fermentando num contexto específico. Mas se esse raciocínio de q...

Poesia mais ou menos minha: Belo Horizonte, 1896

--> Antônio Lopes de Oliveira, de uniforme Belo Horizonte, 189 6 Capitão Antônio Lopes de Oliveira, pela melhor sociedade estimado e temido pela gente mal procedida: raros se revoltavam contra a sua energia e pagavam caro a sua ousadia: Recolhia-os ao xadrez de sua delegacia, depois de fazê-los saborear as doçuras dos marmeleiros do quintal... Graças às marmeladas do capitão Lopes e a fúria do terrível sargento Felão a cidade de cá em perfeita paz se construía apesar dos seis mil operários chegados da noite pro dia apesar da epidemia de ladrões de galinha apesar dos bares mal-frequentados que feito cogumelos escuros apareciam lá na Zona Oeste onde a escumalha construía os barracos onde a pobreza se escondia. Na entrada da farmácia a melhor sociedade se reunia. Um reclamava do contínuo que deixava a poeira dos canteiros descansar no escritório que ele mesmo abria porque agora o sujeito já não chegava antes das oito porq...

Memento mori, meu novo livro de poemas em pdf GRATIS

Caros, Se você tiver interesse em receber por email, GRATUITAMENTE, um arquivo pdf com o meu livro de poesias Memento mori deixe um comentário aqui no blogue com o seu endereço de email.   Memento Mori foi concebido como um livro em edição colorida, em papel de boa qualidade, com páginas de 33X28cm. Em um computador comum o arquivo pdf só pode ser visto em formato bem menor. Isso principalmente porque Memento Mori foi pensado para um leitor que pudesse ter sempre à sua frente duas páginas abertas, uma delas contendo um poema escrito e a outra contendo uma ilustração/colagem/poema gráfico ou, no caso do primeiro e do último par de páginas, duas páginas com ilustração/colagem/poema gráfico. Se você tiver interesse eu posso encomendar uma cópia impressa de Memento Mori como eu o concebi e mandar entregá-la na sua casa. O preço de custo de um exemplar seria de no máximo US54, podendo ser menor dependendo da tiragem. Se você tiver interesse em um exemplar i...

Sobre sensações sensações e rótulos

"In 2011, I contributed an article to a big scholarly book on autism. More than fourteen hundred pages. Eighty-one articles in all. Guess what. The only paper that addressed sensory problems was mine. Over the decades I’ve seen hundreds if not thousands of research papers on whether autistics have theory of mind—the ability to imagine oneself looking at the world through someone else’s point of view and to have an appropriate emotional response. But I’ve seen far, far fewer studies on sensory problems—probably because they would require researchers to imagine themselves looking at the world through an autistic person’s jumble of neuron misfires. You could say they lack theory of brain ." Imagem minha: vida na janela "Parents come up to me all the time and say things like, “First my kid was diagnosed with high-end autism. Then he was diagnosed with ADHD [Attention Deficit Hyperactivity Disorder]. Then he was diagnosed with Asperger’s. What is he?” I ...

Postais do Inferno 7

“Especialistas sem espírito;  sensualistas sem coração;  essas nulidades imaginam  que atingiram um nível de civilização  nunca antes visto.” Goethe

O Haiti e o lindo espetáculo do sentimentalismo Bono Clinton

  --> The Big Truck That Went By de Jonathan Katz faz o que quase nenhum jornalista tem feito com relação ao Haiti após o terremoto: vai além do que se apresenta aos repórteres nas elegantes noites de lançamentos de projetos de Bono e cia.   1. Em março de 2010 prometem com pompa e circunstância enviar nada menos que 8.4 bilhões de dólares para o Haiti.  2. Naquele ano "chegaram"  $2.43 bilhões a um país com 10.12 milhões de habitantes. O suficiente dava para dar a cada haitiano, cuja renda per capita é de 480 dólares, 240 mil dólares naquele ano! 3. 6% do dinheiro literalmente sumiu; ninguém sabe, ninguém viu.  4.  1% do dinheiro ($24 million) foi para o governo do Haiti. 5. Todo o resto foi para agências/organizações dos países que doaram a grana e para as Nações Unidas. Ninguém do Haiti tinha qualquer voz na decisão sobre como gastar o dinheiro e o plano ignorava a necessidade de mais de um milhão de casas para...

Ai, e esse povo que não sabe ortografia...

“Se alg˜ua pessoa por meu servyço e mandado de mym se parte, e della sento suydade, certo he que de tal partyda nom ey sanha, nojo, pesar, desprazer, nem avorrecymento, ca prazme de sseer, e pesarmya se nom fosse. E se por alg˜uas vezes vem tal suydade que faz chorar, e sospirar como se fosse de nojo. E porem me parece este nome de ssuydade tam proprio que latym nem outro linguagem que eu saiba, nom he pera tal sentido semelhante.” Famoso trecho em que Dom Duarte I (1391-1438) fala sobre a saudade no seu Leal Conselheiro (1438), p. 151

Postais do inferno 5: clareza

"... se situações limites encarnam quase todos os vícios,  ao menos guardam uma virtude,  a da clareza. Foto minha: um mapa do oco Como o nervo está exposto,  não há como nem por que ludibriar,  fingir ou manter as aparências.  As coisas são o que são." João Moreira Salles, "Sarajevo e Rio: duas guerras distintas", 2001 

Postais do Inferno 4: Fire as Cure

"Simply to release man from the fear of death does not insure...  Foto Minha: Espectro na Parede ... that he will act as if he were immortal." Extraído de "Fire as the Cure" de S.L.A. Marshall

Escavando notas: um narrador monstruoso

Arte Minha: colagem e desenho em cartões antigos da biblioteca Sterling “Uma só cabeça e vários tentáculos, várias pernas-tentáculos que se assentam em terras diversas e variados mares, deles sugando o que podem oferecer e ofertando o produto à cabeça de um olho ciclópico, montada em um dorso gigantesco de onde saem braços, de onde saem mãos que selecionam caminhos pelas teclas do computador. A cabeça vive dilacerada pelos tentáculos que se distanciam em busca de novos apoios. Cada novo apoio, se não for uma caravela, é uma terra, se não for uma terra, é uma caravela. Se não for caravela ou terra, é uma tela de computador a ser preenchida.  Sou espelho do que me liberta e me aprisiona. Tenho o corpo feito de montanhas, das montanhas onde reina imperiosa uma cabeça, cuja boca proclama que, depois de uma penosa caminhada, o horizonte é acessível e o respirar menos congestionado. De lá é que descubro outro horizonte, outras montanhas, outros horizontes mais...

Escavando notas

--> Sérgio Buarque de Holanda Fosse como fosse, eu me sentia identificado com aquela terra e seu povo. Bom identificado talvez não fosse a palavra exata. O melhor seria dizer que eu não conhecia o México, mas amava-o. Não era a mesma coisa? Mas é claro que era! O amor, como a arte, é uma das mais legítimas formas de conhecimento. ( Érico Veríssimo, Solo de Clarineta – Segundo Volume , 7) Érico Veríssimo -->          O desconhecimento de qualquer forma de convívio que não seja ditada por uma ética de fundo emotivo representa um aspecto da vida brasileira que raros estrangeiros chegam a penetrar com facilidade. (Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, 148)

Postais do Inferno 3

Se você ainda acredita que ler literatura melhora o ser humano... Foto minha: colegas se preparam para reunião de departamento ... eu recomendo um estágio num departamento de estudos literários .

Oito flagrantes do Rio de Janeiro na voz de oito poetas mexicanos

Y no quiero, Río de Enero, más providencia en mi mal que el rodar en tus playas al tiempo de naufragar. Alfonso Reyes Desde el avión, la orquestra panorámica de Río de Janeiro se escucha en mi corazón. Carlos Pellicer La líquida luz del cielo La liquida luz del mar! Luis Quintanilla Abre la luz,                                                         del cielo, Guanabara. Y somaremos juntos la jornada. Jaime García Terrés El mar de automóviles me arrojó a la playa de un café con vista a la playa Gabriel Zaid como cae la lluvia sobre el mar a la velocidad que se desploma así vamos fluyendo hacia la muerte José Emilio Pacheco sé que sólo habré viv...

Viva la mídia loca: sobre reportangens sobre a dengue [parte 2]

PARTE 2 Li um artigo na revista New Yorker [ TheMosquito Solution, July 9&16, 2012 ] sobre o assunto. Eis o que aprendi: 1. Calcula-se que os vários tipos de mosquitos que picam humanos são responsáveis por metade das mortes na história do ser humano no planeta. Uma grande parte pela Malária. 2. O Aedes aegypti provavelmente chegou nas Américas à bordo de navios negreiros. Os ovos podem sobreviver até um ano sem incubar, se necessário, mas depois de quatro dias basta água na temperatura de 27oC e em menos de uma hora os ovos estão “chocados”. 3. A dengue é uma das doenças virais que mais se espalha no mundo. A OMS calcula que pelo menos 50 milhões de pessoas contraem dengue por ano. O número de afetados pela doença cresceu 30 vezes desde 1965. E já saímos da obsessão do brasileiro com tudo o que acontece no seu país e sua profunda ignorância sobre o que acontece em qualquer outro lugar do mundo que não seja uma magra seleção de “fatos” sobre o...

Viva la mídia loca: sobre reportagens sobre a Dengue [parte 1]

PARTE 1 Foto do blogue Natural Unseen Hazard . Uma fêmea do Aedes aegypti se abastece de sangue Quantas reportagens você já leu sobre dengue nos jornais brasileiros? O que é que você aprendeu a respeito da dengue com elas? Eu li várias e divido essas reportagens em dois tipos: Tipo 1: Já são [número] de pessoas infectadas com o virus da dengue em [nome de estado ou cidade] este ano. Um aumento de [porcentagem]! Tipo 2: [nome uma celebridade qualquer] está com dengue! Com elas eu basicamente não aprendi nada. Tantos os números quanto os nomes das vítimas ilustres felizmente se dissolvem na minha memória, numa poça de dados inúteis e desprovidos de sentido. Se eu morasse no Brasil talvez servisse para jogar conversa fora com um motorista de táxi ou o meu açougueiro. Como moro fora, nem isso. Passo os olhos pela manchete e sigo em frente. Eu só conheço uma reação nas mídias sociais a essas reportagens: gente vociferando contra o abismo da saúde p...